sexta-feira, setembro 18, 2015

Sector terciário

As pessoas andam demasiado nervosas, agitadas. Sempre com pressa, sempre com muita pouca paciência, sempre a quererem estar debaixo dos holofotes, à frente e acima de todos. Determinadas em terem o que querem, quando querem e nas condições que lhes interessam e apenas a si. Se for preciso mandar uns berros, insultar alguém, tratar alguém como se fosse menos que eles, pois que seja. Houve ali um olhar impertinente? Mostre-se os dentes, levantem-se as sobrancelhas, grite-se do mais alto que os pulmões tiverem para oferecer. De uma simples palavra dita sem qualquer tipo de má intenção, faça-se todo um filme onde a sua importante pessoa tenha sofrido o mais grave dos ultrajes e humilhe-se até à exaustão o pobre ser que está do outro lado. Mas o que é isto? Como é que chegámos a este ponto? Como é que deixámos que a nossa humanidade pudesse passar a ser definida por títulos, ou bens, ou mesmo credos políticos, religiosos, nacionalistas ou mesmo desportivos? Toda a educação vai por água abaixo só porque não mereci toda a atenção do outro. Manifestemos toda a raiva e frustração que temos dentro de nós contra o primeiro pobre diabo que nos apareça pela frente e que apenas tentou ajudar a resolver um problema que afinal era apenas um pretexto para o "combate". E depois fica o sentimento de angústia e, no pior dos casos, a incerteza que fica a morar na mente de quem apenas tentou fazer o seu trabalho o melhor que pode e sabe. Mas para lá de tudo isso, fica a tristeza. O sentimento de que é triste haverem pessoas assim a atravessarem-se pelo nosso caminho, como um tsunami com consciência, apostado em submergir tudo aquilo que nos define. Tristeza.

quinta-feira, setembro 17, 2015

O verdadeiro alentejano

De que é que se conversa com alguém que conhecemos há sensivelmente trinta e cinco anos e com quem já não estávamos há pelo menos quinze anos? De tudo e de nada. De namoros, casamento, divórcio e descendência. De caminhos profissionais tão diferentes e com tantos pontos de contacto que, ao descrevermos alguns eventos, deixamos um sorriso cúmplice nos lábios. De viagens a mundos distantes, de viagens a mundos ao virar da esquina, das idas do campo para a cidade e vice-versa, como se de um truque mágico se tratasse. Da família, sempre a família ao nosso lado e a apoiar-nos, das cumplicidades maternais que vão ainda mais longe do que as nossas vidas, até a um tempo em que ainda só existíamos enquanto ideia desejada. De como ao fim de uma frase regressamos à nossa infância, como se nada se tivesse passado, como se nunca tivéssemos saído daquela sala de aulas magnífica, que tantas alegrias, conhecimento e amizades nos trouxe, daquelas quatro paredes onde aprendemos muito mais do que matemática ou português ou os rios e as serras deste país, onde verdadeiramente aprendemos a ser seres verdadeiramente humanos, onde absorvemos tudo o que uma professora/cúmplice/mãe/amiga (e tantas palavras poderiam aqui ser colocadas, ad eternum) nos legou e nos deixou mais ricos enquanto pessoas de, na altura, de palmo e meio. E tantas vezes a sua memória foi evocada que quase, quase nos permitimos ficar com os olhos marejados. Ela, os nossos antigos colegas, aqueles que gostávamos de encontrar mais uma vez, aqueles que desapareceram já deste mundo, os que se encontram em parte incerta, até mesmo aqueles que se deixaram ir por uma espiral de dor e tristeza abaixo, quando mereciam muito mais desta vida madrasta. Mas não falámos só do passado, também pensámos no presente, no futuro, na superação de doenças malditas, na superação do flagelo do desemprego, naquelas pequenas coisas que tornam a nossa presença nesta terra um bem inestimável. Falámos, falámos, comemos, falámos, bebemos, e no fim aquilo que foram horas, pareceram breves minutos. Foi bom, meu amigo, foi muito bom. E o melhor de tudo é que ficámos com a completa certeza de que haverá mais em breve, mais conversa, mais memórias, mais angústias, mais partilhas, mais anseios para o que aí vem. E a melhor certeza de todas, é que não vai passar tanto tempo até à nossa próxima tertúlia. Aqui te deixo um enorme brinde à tua vida, à tua coragem, à nossa bonita amizade que merecia este recomeço.


quinta-feira, setembro 03, 2015

Par la fenêtre

"La tristess qu'on ressent ao cours de la vie, c'est
quelque chose qui ressemble à mon ours vu de dos:
de loin, le coeur se serre douloureusement, mais si on
se met à la place de l'ours, voilà que, contre toute
attente, il frémit d'espoir et, qui sait, regarde le beau
spectacle qui s'offre dehors à ses yeux. Peut-être est-il
en train de s'extasier devant tant de beauté. Ce matin-
là, c'était mon coeur qui était triste, moi qui avais
dormi la tête enfouie dans la fourrure de l'ours. La
mort des parents de ses propres parents, la mort un
jour de ses parents, sa propre mort, la vie véritable,
qui ne fait qu'un avec la mort, avait frôlé de son aile
la chair de l'enfant dont le monde du rêve se poursuit
éternellement. J'avais sans doute senti l'indice de
quelque chose d'insondable."
 
Yoshimoto Banana