quinta-feira, setembro 26, 2013

Um mal maior

Abriste o portão e entraste pela quinta dentro, como se ela ainda te pertencesse. Como se ainda morasses aqui. O cão correu para ti, saltou para os teus braços e lambeu-te a face, como sempre te fazia quando regressavas do trabalho. Tu sorriste, um sorriso feito de uma ténue nostalgia. Olhaste para a laranjeira. Esticaste-te para alcançar um dos frutos. Cheiraste-o e provavelmente recordaste os sumos que fazias nos verões que passámos juntos, sentados no jardim, a ver o sol a esconder-se no horizonte. A frescura do sumo nas nossas gargantas, o calor da tua mão repousada na minha. Largaste a laranja e foste para o teu jardim. Para as tuas plantas. Todas as flores que plantastes ao longo dos anos, as tuas crianças como lhes chamavas. Pegaste no regador, encheste-lo na fonte, e regaste as flores. Os teus cabelos taparam-te a cara, não consegui ver o que sentias ao regar mais uma vez as tuas plantas. Pousaste o regador e ficaste a olhar para a casa. Não tanto a olhar para as suas paredes, janelas, telhado, mas mais através dela, como se tentasses ver-me, no seu interior. Conseguia ver isso no teu olhar, a curiosidade para saber onde eu estava, o que estava a fazer, com quem o estava a fazer. Um misto de curiosidade e lamento. Tudo isso provinha dos teus olhos, das tuas feições, de todo o teu corpo ao lado do qual tantos e tantos anos vivi, amei, comunguei. Até que os teus olhos se cruzaram com os meus. Tu, lá fora no jardim, eu do lado de dentro da janela da sala. Ficámos a olhar, um para o outro, durante toda uma eternidade. Todas as nossas emoções revividas vezes sem conta. Até que não aguentei mais. Puxei os cortinados e deixei-te ali, no jardim, sozinha, longe de mim, com o sol a cair lentamente no céu, nas tuas costas.


domingo, setembro 22, 2013

Dogwalker

"Vim para aqui para escapar de outros lugares. Fiquei por aqui por não haver outro sítio que pudesse chamar meu. Esta cidade não é de ninguém. É de quem cá chega, vive e morre, para poder voltar a não ser de ninguém. Uma nação de estrangeiros num mesmo navio que o milagre da vontade impede de naufragar. Ou então é outra coisa, não sei, não costumo pensar nisto. Sei que há horas em que me sinto feliz por estar por aqui e basta."

Pedro Paixão


 

sexta-feira, setembro 20, 2013

segunda-feira, setembro 16, 2013

A pensar no sorteio de amanhã...




Castelos

Chegaste e foi como se o tempo não tivesse passado. Sentámo-nos e comemos e bebemos e conversámos. Vimos o Sol a esconder-se e caminhámos sob a Lua iluminada. Acordámos ao mesmo tempo e a tempo de tomarmos o pequeno-almoço juntos, lentamente, de janela aberta a ver a névoa matinal fugir para trás dos montes. Guiámos pelas estradas aos altos e baixos, a ouvir a banda sonora que nem sempre é dos dois. Caminhámos e caminhámos. Subimos e descemos escadarias atrás de escadarias. Fugimos do Sol abrasador debaixo de uma sombra centenária. Umas vezes a conversar, outras vezes a ler o jornal do dia, outras ainda a ler livros de viagens que ainda não fizémos. Fomos ao nosso restaurante, aquele a que sempre voltamos, sempre com o prazer de saber quem está lá para nos receber. Percorremos as muralhas de um castelo perdido no tempo, pela noite adentro, cuidadosos nos nossos passos e nunca repetindo o mesmo caminho. Fazemos as sestas habituais, aquelas a que esta terra sempre nos puxa. Desligamos a televisão, exasperados com o estado das coisas que nunca mais muda, ligamos a rádio para nos lembrarmos de outros dias, outros tempos. Saímos para a rua, nem sempre certos do destino que queremos. Mergulhamos nas águas frias de um fim de tarde azul, secamos ao sol num prado verde que nunca mais acaba. Subimos e subimos e subimos até quase tocarmos nas pequenas nuvens que ainda passeiam no céu. Vamos aos sítios onde fomos e continuamos a ser felizes, com sorrisos inesgotáveis. Não nos cansamos de percorrer as calçadas portuguesas, os jardins com aspersores que nos surpreendem, de encontrar as pessoas mais simpáticas do mundo, por muitas missões estranhas que tenham. Sorrimos com as pessoas que nos conhecem, sorrimos com as pessoas que acabámos de conhecer e que já nos saúdam como amizades antigas. Partilhamos esta luz que permeia os nossos dias e aproveitamos todos os minutos para falarmos de tudo e de nada. E hoje é folga. Partiste e foi como se o tempo não tivesse passado. Até breve.