quarta-feira, abril 30, 2008

Do vazio - IV


Topographie des Terrors, Berlim, 24 de Abril de 2008

Mestre de si próprio

Igor já não trabalha aqui. Não mais servirá às ordens do Dr. Frankenstein ou outro qualquer cientista louco com teorias desviantes das do sr. Darwin. Não mais passará os seus dias de aldeia sombria em aldeia sombria, em busca de novos cérebros ou outras partes anatómicas cujos corpos pensam erradamente que ainda precisam. Será provavelmente a tarefa de que Igor irá ter mais saudades. Sempre tinha encarado as suas buscas por massa cinzenta como uma oportunidade de conhecer novas pessoas. Mas do resto não haverá mágoa em deixar para trás da sua corcunda. Não, Igor vai gostar de não ter que voltar a descer a catacumbas frias e húmidas, que apenas agravavam o seu eterno reumatismo. Não mais terá que limpar restos de provetas e bicos de bunsen do chão do laboratório. Nunca mais vai ter que prender com correntes todas as infelizes más experiências dos seus patrões, e também nunca mais ver que se preocupar em ser quase devorado por esses mesmos espécimes. Isso vai significar, com toda a certeza, um reduzir do número de cicatrizes que cobrem o seu pobre corpo. Igor está cansado e vai deixar tudo para trás, para sempre.

Igor mudou de vida. Cortou o cabelo, passou a usar óculos e usa roupas modernas e que quase conseguem disfarçar as suas deformidades físicas. Igor arranjou um trabalho normal, serve às mesas, tira cafés e vai atendendo clientes e mais clientes, sem pensar nos seus límbicos, reptilianos ou cortexes. Igor quase começa a perceber o que é a felicidade. E pensar que apenas bastava mudar-se para os subúrbios.

Ah, e Igor já não arrasta a sua perna direita. O que é bom para o negócio.

terça-feira, abril 29, 2008

more human than human

"I've seen things you people wouldn't believe. Attack ships on fire off the shoulder of Orion. I watched C-beams glitter in the dark near the Tannhauser gate. All those moments will be lost in time, like tears in rain. Time to die."

Ontem foi dia de recuperar as visões apocalípticas de uma Los Angeles do futuro. Uma Los Angeles sombria, escura e fria, onde a chuva nunca pára de cair. Onde o céu apenas é iluminado por explosões de fogo e ecrãns gigantescos de publicidade enebriante. Onde não há pessoas boas nem pessoas más, apenas sobreviventes, sejam eles humanos ou replicantes. Onde palavras como consciência ou humanidade ou emoções são questionadas a cada minuto de filme e já não sabemos muito bem quem é feito de carne e osso e quem é feito de fios e parafusos. Onde ficamos hipnotizados pelos sons e pelas imagens, tantas e tantas vezes vistas, mas que na grande tela adquirem um impacto que nos deixa sem respiração. Afinal de contas, será mesmo este o verdadeiro vislumbre do que o nosso futuro poderá vir a ser? Quem sabe. Uma coisa será certa, no nosso presente já há lugares tão assustadores como os que Blade Runner nos obriga a ver...

Do vazio - III


Berlim, 23 de Abril de 2008

domingo, abril 27, 2008

Do vazio - II

"Anónimo disse...

Senti o mesmo.
Pensei em escrever sobre isso tal como tu.

De forma subtil e quase estranha, lá as coisas tornaram-se mais reais, não porque tenha descoberto horrores ou contornos da história que não conhecia, mas porque os números ganharam rosto.

Um rosto que não era nem de um actor num filme, nem estava numa fotografia de um livro.

Como se as telas e letras, ali, tivessem uma essência especial que se infiltrava na alma.

O que vi nos museus e memoriais que visitámos, desdobrou a História em várias histórias, várias famílias, em pessoas.

Tocou-me de um forma suave e ao mesmo tempo quase esmagadora.

Já chorei a ver documentários sobre o Nazismo e até mesmo sobre o muro de Berlim.

Curiosamente lá não chorei. Talvez porque inconscientemente me tenha apercebido que não tinha direito a sofrer por dores que não eram realmente minhas.

No meio disto tudo gostei também de recordar, que mesmo na escuridão e alheamento há sempre quem lute, quem se recuse a ir com a maré e ajude os outros mesmo correndo risco de vida.

bjs
RF

22:58"

E porque as tuas palavras ecoaram cá dentro, com a mesma ressonância que aquelas que ouvi, li e vi nos últimos dias, aqui as deixo, minha querida amiga, como humilde forma de agradecimento.


sexta-feira, abril 25, 2008

Do vazio.



Sempre gostei de História. De ler livros sobre os acontecimentos passados e tudo aquilo que se passou até à Humanidade chegar aos nossos dias. De ler tudo aquilo de bom que os homens conseguem fazer quando assim se propõem e de ler todas as barbaridades que também fomos capazes de executar no passado, de modo que a memória não seja apagada e que haja uma réstia de esperança de que não se cometam os mesmos erros. Mas uma coisa é lermos os livros de História e outra é vermo-nos imersos directamente nessa mesma História, e mais emocional ainda se fôr no lado mais negro da mesma. Por isso, e num dia que para mim, português, representará sempre a imagem da liberdade, gostava de deixar um pequeno memorial a todos aqueles inocentes que tombaram sem poderem conhecer a liberdade e morreram às mãos de carrascos sem escrúpulos que não merecem sequer ser chamados de homens. Aqui e, mais importante ainda, lá fora, e tudo apenas porque foram rotulados como se tivessem a lepra. Descansem em paz.

sábado, abril 19, 2008

Vou passear e já volto!


(Imagem retirada de Wikimedia Commons)

A noite abre meus olhos

"No sangue do filho do homem
uma parcela trémula
um silêncio demasiado precioso
para a listagem das grandes transformações

Caminhei sempre para ti sobre o mar encrespado
na constelação onde os tremoceiros estendem
rondas de aço e charcos
no seu extremo azulado

Ferrugens cintilam no mundo,
atravessei a corrente
unicamente às escuras
construí minha casa na duração
de obscuras línguas de fogo, de lianas, de líquens

A aurora para a qual todos se voltam
leva meu barco da porta entreaberta

o amor é uma noite a que se chega só"

José Tolentino Mendonça

Cordon bleu

As panelas já estão ao lume. Os vapores começam a inundar todos os recantos da cozinha. Os aromas flutuam já no ar, invadindo sem permissão as nossas narinas. Eu continuo a temperar a carne enquanto tu continuas a cortar sem piedade os legumes alinhados na tábua. Penso que concordarás comigo que estes momentos sempre foram os nossos preferidos. Nem o sexo, nem as viagens, nem os beijos roubados na altura em que erámos namorados durante a ditadura. Nada disso. As nossas almas apenas se encontram realmente quando estamos aqui, entre estas quatro paredes, rodeados de comidas, condimentos, molhos, pratos, panelas, copos nunca vazios de vinho, aqui, esquecidos do mundo e vivendo através das nossas experiências gastronómicas. Um molho disto, uma pitada daquilo, precisa de mais, uma colher de sopa daquele líquido, está no ponto, não mexas mais, precisa de mais água, troca de lugar comigo, não te esqueças de virar aquilo, tudo isto é o nosso verdadeiro vocabulário de amor, aquilo que nos une mais que outra coisa qualquer. Se a nossa vida ao menos se resumisse a isto, se não tivéssemos que viver fora da nossa cozinha, nesse mundo perfeito poderíamos ser realmente felizes. Assim, limitamo-nos a viver a nossa felicidade pelo tempo exclusivo de uma refeição diária, fora de horas e que nos deixa exaustos de prazer culinário. E no fim de tudo, quando tento apenas beijar-te para te agradecer por mais um magnifício repasto a quatro mãos, tu desvias a cara, certa de que eu não vou tornar a cair no mesmo erro de mostrar tais emoções dentro da nossa cozinha.

quinta-feira, abril 17, 2008

Oração oferecida

"Bendita wi-fi, que me trazes a minha amada, neste momento de angústia e provação. Felizes aqueles que têm a net do seu lado. Agora e sempre, amén e online."

quarta-feira, abril 16, 2008

último sopro

É muito complicado ser adepto de um castelo de cartas.
Ou como às vezes os jogos deviam terminar ao intervalo.

domingo, abril 13, 2008

Prenda

Ao pé de ti sinto-me pequenino.
Os teus muitos anos quase me parecem equivaler a duas vidas. É certo que não me farto de escutar as tuas histórias, uma e outra vez, sobre lagares, videiras, campos cultivados a perder de vista, ou como costumavas surripiar uma ou outra maçã do quintal da bisavó Beatriz. Serão mesmo essas as minhas preferidas, de quando não terias mais que doze ou treze anos, a correr de um lado para o outro da aldeia. Fico fascinado. Podes não te lembrar do que fizémos ontem de manhã, mas ainda te lembras de peripécias que aconteceram há quase oitenta anos atrás. Quando o ar que respiravas era de outro tipo. Quando a garganta não te doía e ainda se ouvia a tua voz forte, no centro do coro paroquial. Quando os teus risos ainda não eram feitos de sussurros. Desde sempre que me lembro de chegar à aldeia e, ainda longe da porta da casa da estrada, já conseguir vislumbrar os teus cabelos brancos, com o vento a dançar à sua volta, enfeitiçado. Gostava do teu calor quando me abraçavas. Hoje gosto do teu sorriso de cada vez que me meto contigo. Gosto menos das lágrimas que vais derramando de vez em quando. Sei que na maior parte das vezes é mais forte que tu e que não as consegues impedir, mas não deixo de ficar triste por ver que o tempo finalmente te está a apanhar. Quando apenas dava pela tua cintura, pensava, ou melhor sonhava acordado, como muitas vezes o fazia, que ias viver para sempre, que estarias sempre ali, à distância da minha mão no centro da tua, enquanto percorríamos as estradas da aldeia. Mesmo quando passei a ter que falar um bocadinho mais alto, para que ouvisses bem os meus carinhos, e por vezes as minhas afrontas próprias de quem era jovem e ainda pensava que era o rebelde da família, mesmo nessa altura não duvidava que serias eterno, como as oliveiras que tantas vezes afagámos com as nossas mãos gretadas depois de mais um dia gelado a apanhar azeitonas do chão. Vejo agora, nestes dias em que estás ao pé de mim e voltaste a fazer parte da minha rotina diária, que assim não será. Que tenho de agarrar com as duas mãos todos os segundos que passamos juntos, todos os passeios que damos, todas as palavras que partilhamos e os risos que fazemos ecoar por todas as divisões da casa. Que não vais viver para sempre mas que viveste uma vida que eu apenas posso desejar igualar, em circunstâncias diferentes é certo, mas, em parte, da mesma forma como viveste a tua, sem nunca virar a cara às dificuldades e obstáculos que se foram colocando à tua frente. Às vezes, fazes um elogio sobre mim, à mesa do almoço. Nessas alturas, e tu sabes disso, é como se ficasse a pairar no céu, com essa oferenda que só tu me podes oferecer, mais valiosa que qualquer prémio de desempenho sacado sabe-se lá a que custo, mais inspiradora que uma plateia repleta no atlântico. É como se enchesses o meu coração com uma felicidade que muito poucas pessoas me podem dar, assim, sem esperar retribuição. Que a tento dar-te sempre que estamos juntos, na forma de uma palavra, de um beijo ou de um abraço. E que sempre me sabe a tão pouco, depois de todos estes anos de caminhada em conjunto.
És grande, meu querido avô.

sábado, abril 12, 2008

Arquivo

Quantas vezes se pode mencionar uma mesma palavra?
Hoje já mencionei, falei, escrevi a palavra saudade umas dez vezes.
Serei eu um saudosista vertebrado e inconsequente?
Há quem me acuse de não passar de um amigo de Alex.
Há quem partilhe comigo toda uma série de coisas que gostámos de viver e que, de vez em quando, gostamos de recordar.
Mas hoje apenas me limitei a lembrar um passado não muito distante.
E de como as coisas rapidamente mudam, com a velocidade de um tornado.
E o que ontem nos ocupava horas sem fim, de puro deleite, hoje parecem fazer parte de um album de fotografias a preto e branco, que apenas nos lembramos de abrir quando estamos sozinhos ou na companhia de pessoas que também já quase tínhamos esquecido.
E depois sentimos um arrepio, ou um aperto no peito.
Porque reviver esses ínfimos momentos acaba por doer ainda mais do que a altura em que os vivemos.
E é impossível não ter saudades de alguns desses apertos de peito.
Por mais que nos tentemos travar.

sexta-feira, abril 11, 2008

Cortes

Este fim-de-semana tenho um bilhete para ser reembolsado, com muita pena minha. Pessoalmente, tinha tudo para ser o concerto do ano, mas já não vai ser. O Zach explica melhor, ou não.

It's with great regret that I have to tell all of you that Beirut is canceling their summer European shows. My reasons for doing this are many, a lot of them personal, but I still feel I need to provide something of an explanation.

The past two years have been a mindblowing experience. From the first indications that people were putting songs from Gulag up on their blogs to our incredible tour of Australia and New Zealand that we just completed, everything that has happened has been beyond anything I'd ever hoped could happen with the music I wrote and recorded in my bedroom. Once things started happening, I decided I wanted to do everything as big as possible. So, I set about putting together a large band, and giving that band a huge sound, and making the most spectacular records we possibly could.

I know this can sound like an artist shithead kind of comment, but going through all that really does have its low points along with the highs. The responsibilities of gathering people around your vision, working with great people like those who work directly for the band and those at the label, wanting to insure that every show is as good as humanly possible so that every single person in the audience sees that we put in a real effort, all of that leads to a lot of issues in terms of doing right by people who have done you right.

It's come time to change some things, reinvent some others, and come back at some point with a fresh perspective and batch of songs.

Please accept my apologies. I promise we'll be back, in some form.

-Zach


Na volta.

Hoje fui perseguido por uma nuvem.
Ela apareceu logo pela manhã. Não a vi quando me levantei e espreitei pela janela, para ver se a chuva já tinha fugido para outro país. O sol já começava a dar um ar da sua graça e assim a vontade para sair de casa até ganhou outro ímpeto. Mas assim que coloquei um pé na calçada, lá estava ela. Negra, grande e prestes a desabar em cima de mim. Corri para o carro, com receio da tormenta que se adivinhava, mas estranhamente nada aconteceu. Rodei a chave e entrei em modo de piloto automático, como acontece em quase todas as manhãs. Mas sentia uma presença estranha à minha volta. A nuvem ali continuava, a pairar sobre mim e cada vez mais negra, em antecipação de tempestade. Mas a chuva continuava a não aparecer e o escritório já estava à vista.
O resto do dia passou num piscar de olhos.
Não tinha pensado nela durante todo o dia, mas tinha a sensação que rapidamente me lembraria dela quando voltasse à rua. E assim foi, ela continuava no céu sobre a minha cabeça, à minha espera, ou assim parecia. Por entre fiapos de nuvens pequeninas, o sol continuava a iluminar o solo, mas eu apenas tinha olhos para aquela estranha companhia. A nuvem permanecia a seguir-me, sem largar uma única gota de chuva. Parado no trânsito, tentava captar todos os detalhes daquela massa de ar ameaçadora, apenas para constatar que, a cada detalhe que observava mais atentamente, mais familiar ela me parecia. Havia algo de mim naquela nuvem, apenas não conseguia explicar porquê. Ela fazia parte de mim ou eu fazia parte dela? De alguma forma os nossos destinos pareciam caminhar pelas mesmas estradas. Rumando a casa, com o sol a bater nas nossas costas.
Agora é noite. Será que amanhã estarás à minha espera?

Espírito olímpico?

O senhor Rogge diz-nos que a liberdade de expressão é um direito básico humano. Mas ao ler algumas coisas que se têm escrito, a sensação que fica é que esta expressão é uma mísera máscara para aquilo que são os dias de hoje. Quando aquilo que interessa é puxar o brilho àquele que é, provavelmente, um dos países mais poderosos do mundo e fazer esquecer aqueles que continua a atormentar com a sua presença, ano após ano. Mais, nada podia ser mais humilhante que pavonear esse mesmo poder na cara daqueles que despreza, na forma de uma tocha olímpica. E o senhor Rogge vai dizendo chavão atrás de chavão, que os Jogos Olímpicos sempre estiveram fora de querelas políticas ou religiosas ou mesmo raciais, sempre foram um momento de união entre atletas, blábláblá. Quase não consigo evitar um refluxo intestinal ao ler toda a declaração do senhor. Se era para isto, mais valia não haverem Jogos Olímpicos assim, saneados, limpinhos de sangue e com os bolsos a transbordar de notas...

quinta-feira, abril 10, 2008

Ainda há esperança

Continuando no lado mais sombrio. Basta reparar no ano em que toda a história se inicia.




"A maldade, que a mim sempre me apareceu vestida como um egoísmo absurdamente potenciado, é real, e há quem o faça sem qualquer condicionamento, razão, ou justificação. Como a estupidez, parece justificar-se a si mesma na cegueira própria dos doidos que se corrompem a si mesmos à custa daquilo que espoliam a outrem."

Isto é a verdade que eu sempre quis escrever e nunca o consegui, em dois anos e meio de blogue. Obrigado, meu caro, as tuas palavras são para mim um bálsamo. Enorme vénia.

segunda-feira, abril 07, 2008

Epílogo

E o que é que fica depois dos flashes, das palmas e dos sorrisos de circunstância?

Que foram horas e mais horas desperdiçadas voluntariamente, para um fim que nunca é muito claro e que visa apenas impressionar barrigas opulentas e que já há muito entraram em modo automático. E a conclusão óbvia é que o Darwin podia meter as suas teorias de evolução num sítio de uma pessoa que eu cá sei.

O que ainda vai balançando a coisa são as histórias e os breves momentos de pura amizade que saem reforçadas e que vão ajudando cada passo que damos ali dentro.

Emoldure-se e pendure-se!

sábado, abril 05, 2008

No interior do tubo


Londres, 16 de Março de 2008

Ar

O homem tinha dificuldade em respirar. Não devia ter bebido aquele último gole. Ou então devia ter refreado a ânsia que sentia em matar a sede. Talvez assim tivesse impedido aqueles últimos dezoito minutos de um tosse convulsa contínua. Sentia-se desfalecer com a falta de ar que os seus pulmões reclamavam. Era quase irónico que a sua vida fosse terminar assim. Logo ele que apenas tinha fumado meia dúzia de cigarros em toda a sua vida. E isso como um mero remendo das saudades que o atacaram durante todos os seus meses passados no Lobito. E agora ali estava ele, estendido numa cama, revivendo incessantemente pormenores mais felizes da sua longa vida. Num cama, tendo por companhia outros dois moribundos, ambos com os seus pulmões massacrados por um cancro sem remorsos, que os consumia como eles consumiram cigarros atrás de cigarros, ao longo das suas vidas encurtadas. E ele que também não conseguia respirar e não sabia porquê. E não havia nada que o aliviasse, nada. Nem mesmo a preciosa solidão que o isolava de todos os outros doentes, rodeados por um nunca acabar de familiares e amigos. No seu íntimo, ele sabia que os seus dias haviam de acabar assim. E não fosse o simples facto do oxigénio estar permanentemente a fugir das suas vias respiratórias, até que quase podia sentir alivio e uma sensação de um trabalho bem feito. Ponto final, parágrafo.

sexta-feira, abril 04, 2008

Não são só palavras

Percebi, há coisa de alguns minutos, o verdadeiro significado disto.

E foi preciso ler as palavras de outra pessoa, de quem muito gosto, para me aperceber do que realmente se esconde por detrás de uma expressão como não estou aí.

De como o cansaço pode ser uma mera máscara para as batalhas diárias que se perdem.

De como o passado, o presente e o futuro de uma vida não dependem, pura e unicamente, dessa mesma vida. Ou como podem haver desculpas tão medíocres.

E por isso, e por muito pouco que possa significar, peço desculpa. Um pedido a uma série de pessoas que provavelmente nunca vão chegar a ler estas palavras. Mas mesmo assim acho que o tinha que fazer. Aliás, acho que hoje não ia conseguir ficar em aparente paz comigo próprio se o não fizesse. Por isso volto a repetir, desculpem-me.

E o que me salva é que amanhã há um novo dia e uma nova batalha.
E mais uma oportunidade.

quarta-feira, abril 02, 2008

The Bird

"During the show at San Quentin in 1969, it seemed that everybody that worked for Granada TV was on stage in front of me. At some point, I walked around my microphone and yelled «Clear the stage! I can't see my audience!» Nobody moved. So I gave them «the bird». Hence that picture.
Fast forward to 1999. I was lying in intensive care when I felt a presence in the room. I opened my eyes ans there stood Merle Haggard silently studying me. He bent down, put his hand behind my head, rubbed his forehead against mine and said «you're gonna be alright, Cash». And I am. Thanks for the return visit, Hag."

Johnny Cash
March, 2000