quinta-feira, janeiro 31, 2008

Vindima

"O Doiro risonho e alegre que o senhor Meneses aguarelara como qualquer propagandista oficial, ocultava por debaixo do sorriso turístico um calvário de lágrimas e fome. A descrição colorida do palco de xisto escamoteava o martírio dos actores. O trato reles, as jornas miseráveis, a promiscuidade eram explicados de todas as maneiras: crises sucessivas nos mercados, pragas terríveis, concorrências desleais e criminosas do sul, anos de colheitas más. Simplesmente, tudo isso não justificava uma escravidão de que não havia paralelo em todo o país."

Miguel Torga


E enquanto vou folheando as páginas, apenas consigo ouvir na minha cabeça as vozes do meu avô, repetindo vezes sem conta histórias de antigamente que todos sabemos já de cor mas que mesmo assim nunca nos fartamos, e do meu pai, recordando a sua infância com episódios tão duros que envergonhariam qualquer um de nós de um dia termos tido um país assim. Ou será que em alguns sítios ainda o temos? Será que um dia o meu avô e o Miguel Torga não se terão cruzado e contado histórias um ao outro? O que fica são as pessoas e todas as paisagens nas quais um dia também as minhas pegadas ficaram marcadas. Com muita saudade. Obrigado, Zé e Alexandra, por reavivarem uma parte daquilo que eu também sou.

quarta-feira, janeiro 30, 2008

Às escondidas

"Os primeiros chuviscos restituem-nos
o íncrivel cheiro da terra
mas nós estaremos quem sabe longe
do que tem significado

Preenchemos a inscrição numa piscina municipal
não sabemos bem o motivo ou não dizemos a ninguém
como os dias nos pedem a dureza
ofegante, instintiva
que têm para os nadadores as braçadas

Uma sombra nos acalma
Uma claridade nos dói

Cedo receamos a felicidade daquelas imagens
que reencontramos dentro de nós
e não se ligam a nada"

José Tolentino Mendonça


Debaixo de água a vida corre mais devagar e apenas há silêncio. Sentimos o peso das nossas tristezas flutuar para longe, a abandonar-nos como um sonho mau. As mágoas afundam-se, libertam-se do nosso corpo enquanto nadamos sempre em frente, sem olhar para trás. No seio da água renascemos, reconstruímos os estilhaços do nosso ser quotidiano. Respiramos fundo e mergulhamos mais uma vez, e outra, e mais uma. E assim vão passando os dias, quando apenas conseguimos a paz longe do mundo que vive lá fora. Melhores dias virão, melhores palavras haverá para escrever. Até lá, tentemos ganhar guelras...

sábado, janeiro 26, 2008

Inutilidades - II

"Segundo um estudo realizado em Itália, as cinco da tarde são a melhor hora para fazer amor, se se quiser engravidar.

(...)

As mulheres que lêem romances de amor fazem amor duas vezes mais do que as que não os lêem.

(...)

Fazer amor desentope o nariz. O sexo é um anti-histamínico natural e ajuda a combater a asma e a febre dos fenos."


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quarta-feira, janeiro 23, 2008

Inutilidades

"Um beijo apaixonado queima 6,4 calorias por minuto.

Um homem queima em média 1700 calorias por dia sem fazer nada, mantendo-se sentado, ou deitado.

Meia hora de jardinagem queima 100 calorias.

Bater com a cabeça na parede, de dois em dois segundos, consome 150 calorias por hora."


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segunda-feira, janeiro 21, 2008

De luto

Comentário a um post da lenor:
"Hoje, mais uma vez, comprovei que a vida vale a pena, por mais dificil que seja, e que não podemos desistir dela nem por um nanosegundo que seja. Apenas me aperta o coração que estas provas apenas apareçam nos momentos de maior mágoa, dor e tristeza."

Porque os pais dos meus amigos são, por afinidade, meus pais também. Hoje é um dia triste.

domingo, janeiro 20, 2008

Tabuleiros

Mais um rodar dos dados, mais notas que são distribuidas, alguém que passa a vida na prisão e não consegue completar uma única volta ao tabuleiro. Uns compram casas, outras preferem as ruas que lhe são mais importantes que qualquer soma de dinheiro, aquelas ruas que apenas têm valor sentimental aos seus olhos. É altura de fazer as contas às propriedades, porque acabam de chegar mais convivas e é altura de dar a volta ao mundo, algo a que nenhum de nós é alheio, chegámos ao nosso destino, é este o nosso jogo, não temos dúvidas. Queijo atrás de queijo, pergunta atrás de pergunta, umas (muitas) fáceis, outras (poucas) dificeis ou então de resposta precipitada. Karl Marx não está ali, a barragem é do outro lado, a língua oficial são duas, até que chegamos ao outro lado do planeta, os antípodas, e ficamos a saber que são voluntários, os pobres coitados (de nós, que acabamos por perder o jogo e ganhar uma ida aos gelados). Muda tudo, baralha tudo, explica tudo e passa-se as cartas à volta da mesa. Cores e números, salta a vez, vira o sentido, tomá lá duas, toma lá mais quatro e no fundo são as nossas amizades que estão a ser postas à prova (ou não). Mas isto não tem fim? Vá, está na altura de ir buscar o dicionário para mais uma guerra dos sexos. Se bem que está tudo definido à partida. Já sabemos como tudo vai acabar, há profissionais da palavra do outro lado da barricada e que não nos vão dar hipóteses. A única forma que poderíamos ter de ganhar este labirinto de letras seria se falássemos polaco ou ucraniano ou um outro qualquer idioma com umas quinze consoantes por palavra. Pelo meio do olhos ensonados e das prementes dores de cabeça, lá acabamos por chegar ao desfecho previsível. E assim ficou uma noite para repetir, com as afinidades bem vivas entre todos nós. Isso e uma palavra que vai ficar por aqui por muito tempo...

empinocar

verbo transitivo




colocar em sítio alto;


verbo reflexo




empoleirar-se;

(De em-+pinoco+-ar)

Graxa

Muito obrigado pela vossa preferência. E agora, será que não se arranja a modos que um empregozinho minimamente bem remunerado e onde me possa rir pelo menos umas duas horas por dia? Please?

quinta-feira, janeiro 17, 2008

Ondas Sonoras - XXXI

Hoje reencontrei-me com esta música. É possivelmente a única coisa do James Blunt que consigo ouvir e muito por culpa das letras que me arrepiam de cada vez que a oiço. E ao ver as imagens apenas consigo pensar, ontem os Balcãs, hoje o Iraque, amanhã de que nacionalidade serão os inocentes que vão morrer às mãos de uma bala irracional...




Renitente

A aparição de uma imagem do special one logo ao terceiro slide apenas pode significar que cheira a algo ainda mais podre no reino da formação e que nos próximos dias não vou conseguir sequer ouvir as palavras motivação, liderança ou conhecimento.

"Este senhor é um exemplo a seguir."
"Está portanto a dizer-me que o meu objectivo profissional nesta empresa é nada mais nada menos que conseguir ser despedido e ainda arrecadar uma indemnização choruda, é isso?"
" ... "

quarta-feira, janeiro 16, 2008

Serviço de utilidade pública - XVII


O que será que dá prazer aos nossos amigos caninos? Será que é mesmo um estabelecimento de cabeleireiro e estética canina? Tenho as minhas sérias dúvidas... Aliás, se de repente começasse a ladrar e andar sobre as minhas quatro patas, acho que o meu prazer estaria muito longe de uma coisa destas. Talvez correr junto à beira-mar, com a língua de fora... Se calhar, o prazer do cão não deve ser muito diferente do prazer do homem, sempre somos os melhores amigos...

(Foto de PenaBranca)


terça-feira, janeiro 15, 2008

Lanche

Era previsível. Quer dizer, nunca foi por falta de avisos e sinais e outros que tais. Já devias saber que indo por esse caminho, o desfecho era inevitável e, acima de tudo, mais que definitivo. Se esperavas poder chegar ao diálogo, resolver as coisas com meia dúzia de frases já repetidas até à exaustão, voltar a cair nos mesmos becos sem saída, vê-se mesmo que és um tonto. Assim acabaste triturado, despedaçado e devorado. Imagino que à medida que a tua carne foi sendo dilacerada, o pânico tenha diminuido, substituído lentamente pela inépcia de quem acaba de ser confrontado com a própria morte, às garras de algo que não percebemos muito bem, mas que existe e cujas mandíbulas que se fecham agora sobre ti são bem reais. Não, não estás num filme daqueles que costumavas ver às escuras no teu quarto, não, não vai haver um salvamento de última hora feito por um herói cheio de coragem, não, também não se trata de um pesadelo do qual vais acordar a qualquer instante. Aquele sangue no chão é mesmo teu. Os dentes que se cravam nas tuas vísceras são frios como punhais e a dor que provocam é lancinante o suficiente para te aperceberes que está tudo realmente a acontecer. Foste ingénuo, é certo, podias ter virado costas e talvez conseguisses que o teu coração batesse por mais um dia. Mas não, quiseste provar que a razão estava do teu lado e sempre esteve, mesmo quando do outro lado os enormes olhos que te fitavam apenas conseguiam reflectir o teu sangue a jorrar enquanto a sua boca salivava já de antecipação pelo sabor da tua carne, pelo tutano dos teus ossos. E agora aqui estamos, eis-te transformado de uma assentada em entradas, prato principal e sobremesa de um mal que não tem remorsos, apenas uma enorme gula por presas fáceis como tu. Resistir? Como? Se ainda mal tinhas dito a primeira frase e já a tua mão esquerda decepada jazia numa poça de sangue? E assim que a carnificina começou, o teu primeiro desejo foi que tudo acabasse rapidamente, sem lembranças que ficassem. Mas nem isso te foi concedido. Na verdade, e mesmo perdendo sucessivas partes do teu corpo, ficaste lúcido até praticamente ao fim, contorcendo-te com dores, rezando para que o teu coração parasse, para que não fosses obrigado a assistir à delapidação da tua carne e sangue. Ossos partidos, carne rasgada, um monte de restos ensanguentados aos pés da besta. E no último suspiro que deste, a revelação de que foste tu próprio que criaste este destino para ti. Que tu próprio decidiste, de tua livre e espontânea vontade, a tua redução a nada mais que um monte de ossos. Que aquela coisa indescritiva que se encontra à tua frente nem sequer fazia muita questão em te digerir. Bastava apenas que tivesses feito uma única coisa. Um pequenina decisão e nada disto se teria passado e ainda serias vivo. Apenas precisavas de... ter virado à esquerda. Tão somente isso.

(Foto de Teresa Serpa, editada por mim)


sábado, janeiro 05, 2008

Impulso

As dezassete horas e dez minutos do dia quatro de Janeiro de 2008 podem tornar-se um momento realmente importante... ou apenas mais um momento de auto-expiação insignificante pelos pecados cometidos dia sim, dia não...

"Gentleman. It's called education. It doesn't come off the side of a cigarette carton. It comes from our teachers, and more importantly, our parents. It is the job of every parent to warn their children of all the dangers of the world including cigarettes so that one day when they get older, they can choose for themselves."



Lá fora

Inertes, ali se mantinham. Deixando que a chuva que caía pudesse lavar as suas mágoas. Procuravam conforto nos seus braços entrelaçados. O silêncio apenas cortado pelas gotas a cairem no capot. A escuridão apenas quebrada pela pouca luz que o candeeiro da esquina derramava em pequenas doses e quando lhe apetecia. As gotas de chuva não paravam de manchar os vidros, deixando o mundo exterior ainda mais desfocado do que o usual. Dentro do carro, algumas lágrimas eram também derramadas. Todo aquele negrume indicava que o Natal já tinha há muito passado, e a euforia do novo ano era algo que nem sequer por ali tinha passado. Por muito grande que fosse o amor, a paixão, a amizade, a união, era sem dúvida a dor que tornava os elos mais fortes ainda. A dor, a descriminação, a incompreensão, o isolamento. Quando apenas queriam ser felizes, ainda que num mundo tão cruel como o dos dias que passam, devagares, arrastando-se pela lama da desumanidade. Estavam sós e, qual cliché tantas vezes repetido, contra o resto das pessoas em redor. Assim tinha descido o véu da tristeza sobre aquele banco traseiro. Agora, era o momento de chorar e limpar as feridas, o mundo podia ser de novo enfrentado de manhã. Alice deixou que uma lágrima mais atravessasse a sua pele pálida. Maria enxugou-a com os seus lábios. Alice esboçou um sorriso. Maria sussurou algo no escuro e encostou delicadamente os seus lábios nos de Alice. Lá fora, a chuva não dava tréguas.


terça-feira, janeiro 01, 2008

No smoking


Pode ser que seja este ano. Pelo menos, as oportunidades para o fazer acabaram de ser drasticamente reduzidas...