sexta-feira, agosto 31, 2007

Insanidade

substantivo feminino


1.
qualidade de insano; demência;

2.
insensatez;

3.
acto insensato;

(Do lat. insanitáte-, «doença»)

(in Infopédia)

Como de momento não me ocorrem outras palavras que não esta e ainda não há fotos (com)prometedoras, apenas deixo as imagens que se seguem. Lá pelo meio ando eu, o sorvedor de cañas e o nosso intérprete de pintxos.




terça-feira, agosto 21, 2007

Barulho (TPC - uma parede branca)

Silêncio.
Claridade.
Constante.
Limpída.
Só.

A minha alma já foi mais feliz, já foi mais solta. Deixava-se morrer de amores muito mais facilmente, rapidamente se apaixonava e de forma igualmente rápida passava a odiar quem lhe metia nojo. Não era constante, muito longe disso, passava os dias a inventar novas formas de me deixar à beira de um esgotamento nervoso, não era vida para ninguém. Diziam os outros que, por a minha alma ser como era, que eu irradiava uma luz, uma claridade como poucas pessoas. Pois sim, todos eles diziam isso porque não era a sua alma, não tinham de conviver com ela vinte e quatro horas por dia. Com ela e com as suas neuroses. A minha alma vivia de muito barulho e muito pouco silêncio. Não se mantinha calada nem sequer pensava nas consequências de tudo aquilo em que me metia. Não queria saber de mim para nada, desde que ela andasse nas nuvens e tocasse no sol. Que interessava que caísse lá do alto e se partisse em mil bocados cá em abaixo, tinha-me sempre a mim para colar as peças de volta. A minha alma gostava de ser límpida, de não ter subterfúgios. A sua verdade acima de tudo, e o resto era paisagem. E assim se passeou dentro de mim, a minha alma. Até ao dia em que encontrou aquela outra alma, a alma dela, a sua alma gémea. E aí tudo mudou. Largou-me. Já não precisava de mim, eu que arranjasse outra alma para lhe fazer companhia, quem sabe uma mais bem comportada, já que eu me queixava tanto dela. E partiu. Com a sua alma gémea. E agora para aqui estou, só e cheio de remorsos. E tudo porque apenas agora me apercebo do que sou sem a minha alma. Uma casca. Um copo de quem ninguém já bebe. Uma janela com as persianas sempre fechadas. Uma placa na porta de um restaurante, a dizer "trespassa-se". E nada mais.

A Palavra Mágica

"Mas eu não quero fazer literatura, nunca quis, nunca foi esse o meu jogo. Os literatos da treta que vão dar uma volta ao bilhar grande.

(...)

A loucura não tem romance nenhum, é solidão, um fio cortado na ligação entre o mundo interior e o mundo exterior, quando não pior."

Rui Zink
(in Silvina)

domingo, agosto 19, 2007

Calhaus

A segunda vez que se cruzaram foi num local muito mais invulgar. Numa ilha, de todos os sítios possíveis. Era, de novo, um dia normal de semana. Mas para ele era uma das suas folgas semanais, desirmanada do fim-de-semana. Já estava habituado, já levava alguns anos daquela vida. E no fundo, na maior parte das ocasiões, como a daquele dia, ele até gostava de andar na contra-corrente do resto das pessoas, pois dava-lhe a oportunidade de ir a locais que, de outra maneira, estariam submergidos num mar de multidão. E tinha sido esse mesmo o pensamento que lhe tinha ocorrido quando acordou nessa manhã, entrou no carro e se dirigiu ao porto de onde partia o barco que iria enfrentar as ondas rebeldes daquele imenso mar.
Já ela continuava de férias e deixou-se arrastar por um grupo de amigos para aquele passeio. Deixou-se ir não tanto pela ilha mas mais pelo prazer de estar com aqueles que verdadeiramente gostava e que poucas vezes via. E foi assim que resistiram, em grupo, àquela montanha-russa que alguns chamavam de barco. Solavancos para a frente e para trás, para os lados, eram constantemente agitados como se não passassem de marionetes nas mãos do mar impiedoso e trocista. Depois de todos os sacos de enjoo, lá conseguiram chegar a terra e os sorrisos voltaram novamente às suas faces.
O dia estava quente mas no carreiro onde ele se encontrava agora o vento era ensurdecedor e quase que prometia levitá-lo ao lado dos enxames de gaivotas que pairavam por onde quer que se andasse na ilha. Por trás dos seus óculos escuros, ele olhava toda aquela extensão de rocha rodeada de um azul límpido com extrema atenção, procurando os detalhes infímos que lhe podiam escapar enquanto o vento lhe agitava os cabelos sem cessar. Sentia-se bem ali naquele local ermo e sem ninguém à sua volta. Não era por norma uma pessoa solitária, mas gostava dos seus pequenos momentos de "silêncio", longe do que era o seu quotidiano.
Ela ria-se. Ria-se com os seus amigos e amigas, ria-se com as gaivotas e os seus voos rasantes, ria-se com os cabelos que lhe iam constantemente tapar os olhos, tudo naquele dia lhe parecia divertido e cheio de motivos para se rir como há muito não acontecia. Era a primeira a liderar o seu pequeno grupo na caminhada, umas vezes a subir, outras aos saltos, e outras a descer escadarias que nunca mais acabavam, esculpidas na terra pelo homem mas verdadeiramente modeladas pelos elementos naturais à sua volta. Enquanto o dia caminhava para o fim, e o seu grupo se refrescava nas águas verdes e "penosas" da praia, ela ia vendo o sol caminhar lentamente para o seu ocaso e pensava que devia fazer aquilo mais vezes, deixar-se levar em vez de tentar encontrar um significado para tudo. Deixar-se levar e não pensar demasiado. Simplesmente deixar-se levar.
Enquanto esperava pelo barco que o iria levar de volta, ele observava as pessoas na fila de espera. Várias nacionalidades, uns sozinhos, outros em casal, e alguns grupos de várias pessoas. E foi no meio de um desses grupos que a viu. Reconheceu-a imediatamente, a sua figura tinha deixado uma marca intensa na sua mente. Parecia ainda mais bela agora, com os cabelos a acompanharem o ritmo do vento e um sorriso cintilante. Ainda não tinham passado muitos dias desde o seu primeiro encontro e por isso, à medida que ela se aproximava dele, tinha a secreta esperança de que ela o pudesse reconhecer. O que, na verdade, era realmente uma secreta esperança de que ele pudesse ter tido um bocadinho de impacto nela. Pelo menos, uma pequenina parte do impacto que ela tinha tido nele.
A princípio não o reconheceu, por causa dos óculos escuros e porque era apenas mais uma pessoa no meio da multidão que esperava pelo barco. Mas quando se aproximou e ele tirou os óculos, o seu consciente voltou atrás no tempo até aquele encontro no supermercado. Aqueles olhos que procuravam absorver tudo à sua volta. A sua expressão traiu-a imediatamente, por isso cumprimentou-o com um sorriso. Ele também sorriu e deu-lhe as boas tardes, tentando esconder o pulsar intenso do coração, como se fosse outra vez um adolescente, há muitos anos atrás. Não houve ocasião para conversarem muito mais, os amigos dela começaram a puxá-la em direcção à rampa de acesso ao barco. Ela despediu-se com aceno, tentado não perder de vista os olhos dele, ele retribuiu o aceno e deixou-se ficar no cais mais alguns minutos enquanto a via afastar-se. Sabia que uma vez no barco, no meio de tanta gente e do grupo dela, não conseguiram voltar à fala. Mesmo assim, ela tinha sido, para ele, a melhor recordação daquele dia, naquela ilha que nem sequer conhecia. E começava a sentir algo que pensava já ter perdido para sempre, ou melhor, que lhe tinha sido roubado para todo o sempre. Ela não prestou muita atenção às conversas dos seus amigos durante o resto da viagem. Não conseguia tirar da cabeça aqueles olhos, aquela expressão, aquele homem. E, ao mesmo tempo, ou por causa disso mesmo, a sua alma vogava para outros caminhos, caminhos menos felizes e muito mais sombrios.



sexta-feira, agosto 17, 2007

Corredores

A primeira vez que se cruzaram foi no supermercado. Num dia normal de semana. Ele estava a trabalhar, levando caixa atrás de caixa para a loja, enchendo as prateleiras que já conhecia de cor. Estava concentrado nas suas tarefas, apenas interrompendo-as para atender algum cliente que lhe perguntava algo. Estava a ser um dia calmo, afinal o sol lá fora brilhava, era dia de praia, as pessoas apenas iriam sentir a necessidade de fazer as suas compras muito mais tarde. Por agora podia trabalhar sossegado e sentir o calor através das clarabóias. E a luz, aquela maravilhosa luz matinal que ainda lhe ia dando alento para trabalhar num dia como aquele. Assim continuou o seu trabalho enquanto ia trauteando uma ou outra música mais "suportável" que ia passando no som ambiente da loja.
Ela ia percorrendo os corredores, com o seu carrinho de compras. Estava de férias e eram poucas as oportunidade que tinha para andar ali num dia menos agitado. Normalmente via-se forçada a ir ali ao fim-de-semana, quando a confusão era mais que muita, nunca tinha tempo para percorrer outros corredores que não fossem os da mercearia ou os dos frescos. E mesmo assim acabava sempre por se esquecer de alguma coisa. Hoje seria diferente. Tinha todo o tempo do mundo e podia fazer as suas compras ao seu ritmo, o ritmo das férias pelas quais tinha tanto ansiado.
Curvou para o corredor das massas, tinha a intenção de fazer algo para o jantar dessa noite, algo especial. Sentiu o fresco do ar condicionado quebrar sob a luz quente que vinha do lado de fora da clarabóia. Olhou para cima e fechou os olhos, a luz era demasiado intensa. Estava um dia bonito, demasiado bonito para passá-lo todo dentro de um supermercado. Começou à procura do tagliatelle de que gostava, quando ouviu a música que estava a passar. Sorriu. E começou a trauteá-la, com a perfeita certeza de que o dia ia ser excelente.
Ele estava de cócoras, enchendo uma prateleira mais baixa e nem deu pela presença de outra pessoa no corredor. Afinal, já há uns bons quinze minutos que estava ali sozinho, apenas com a companhia das caixas de massas várias que tinha para repor. Mas depois houve algo que o perturbou. Que o despertou do estado quase robótico em que se encontrava. Alguém trauteava a canção que se ouvia no som. Mas não era uma canção qualquer, era aquela canção. Uma canção que ele até hoje tinha dificuldade em compreender porque razão passava no som ambiente. Mas era uma canção que ele quase venerava, de tanta energia positiva ela lhe dava. E agora estava ali alguém no corredor a trautear essa mesma canção. Olhou para ela, estava à procura de algo nas prateleiras e estava mesmo a trautear a "sua" música, não era engano dos seus ouvidos. Ela era bonita, de uma beleza muito pouco artificial, ao contrário das mulheres que quase todos os dias passavam pelo seu corredor. E isso só fazia com que ele ficasse ainda mais interessado em observá-la em todos os seus movimentos.
De repente os seus olhares cruzaram-se. Ela já tinha procurado em vão o artigo que pretendia e quando o viu, com a farda usual dos funcionários, viu também uma solução para o seu problema. Ele e o seu olhar, "fugiram" envergonhados para a prateleira, tinha receio que ela pensasse mal dele por estar a observá-la e surgisse um enorme equívoco. Limpou o suor da testa enquanto se apercebia que ela se encaminhava para ele. Levantou-se e cumprimentou-a como se fosse uma cliente como tantas outras. Ela observou-o a levantar-se e ficou surpreendida com a aparência dele, por trás do "véu" da farda. Gostou especialmente da cara dele, dos traços que pareciam revelar alguém extraordinário num ambiente perfeitamente comum como aquele. Cumprimentou-o e perguntou-lhe se tinham o tagliatelle que ela procurava. Ele disse-lhe que iam deixar de ter essa marca italiana mas pediu-lhe que aguardasse pois ainda havia algum stock no armazém.
Na espera dela e no vai-vém dele entre armazém e loja, a música continuou a ecoar por todo o espaço. E eles os dois continuavam a trauteá-la e a sorrirem e a sonharem com um dia perfeito, num mundo perfeito.
Ele entregou-lhe a massa que ela procurava e, mais do que o sentido do dever cumprido, sentiu uma enorme satisfação por poder ajudar aquela mulher tão bela e tão intrigante. Ela agradeceu-lhe mil vezes pela ajuda e fitou-o mais uma vez e reparou nos seus olhos azuis, belos e profundos. Despediram-se, deram os bons dias, ela dirigiu-se para a caixa e ele continuou a sua tarefa de reposição. E por cima deles ouviram-se as últimas notas de uma canção que ambos tinham partilhado por uns breves momentos...



segunda-feira, agosto 13, 2007

(more) Caveisms

"Não me parece que seja uma coincidência que muitos dos meus personagens tendam a ser desenraizados, sempre em trânsito entre umas situações e outras. Tenho apreciado não ter de fazer parte da sociedade. Por outro lado, acho que isso tem um aspecto negativo, que é na verdade sentir que não faço parte de nada."

Abril de 1994

quarta-feira, agosto 08, 2007

Mergulho...


E sim, esta foi a melhor parte do dia. Juntamente com os "caracóis de pontas espigadas"... Benditas rochas que se colocam na minha frente...

terça-feira, agosto 07, 2007

À Noite

Estavas à esquina.
Debaixo da luz mortiça do candeeiro, a tua sombra parecia aumentada mil vezes.
Parecia que estavas a guardar-me o lugar.
Puro engano.
Sim, esperavas, mas não por mim.
Os teus supostos encantos recaíam sobre a figura enfezada do vizinho de baixo.
Sabia disso, pois ainda a noite passada os vossos lábios tinham-se tocado sob essa mesma luz branca da esquina.
E estranhamente, tinha vindo a pensar em ti durante a viagem do costume.
Não sei porque surgiste no meu pensamento, mas a verdade é que assim aconteceu.
Não, não é mera conversa de engate.
Simplesmente aconteceu.
E agora eis-te aqui, sozinha, sem aquele pobre coitado ao pé de ti.
E eu estaciono, lentamente, quase como se estivesse a pôr-me aos teus pés.
Deslizo ao longo do passeio, atravessando a tua sombra enorme.
Sorris.
Um sorriso de cortesia.
Enquanto vais esperando, e esperando.
Penso que é uma pura perda de tempo.
Tudo, a tua presença, ali ao lado do candeeiro, a tua presença, na minha mente.
É altura de ir para a casa.
A casa só e abandonada, que me espera.
Tal como tu, esperando.
Por pobres coitados, eu e o vizinho de baixo.
Apenas pobres coitados, desesperados.




domingo, agosto 05, 2007

Caveisms

"Olhavas para o público, eles estavam de olhos postos em ti, e sabias que eles queriam que tu fizesses um mortal de costas, por isso tu fazias e sentias-te um idiota. É aí que se começa a falhar, quando se começa a reconhecer e a tentar saciar o apetite que se concentra na massa à tua frente. Pura e simplesmente já não me preocupo com o que pode ou não ser relevante para os outros... Parece-me que as grandes obras de arte são aquelas que se estão absolutamente nas tintas para tudo o resto; completamente pessoais e egocêntricas."

Dezembro de 1983