sexta-feira, março 30, 2007

Patológicos Anónimos

"A tendência para gostar sempre da pessoa errada é um comportamento patológico que, geralmente, só se resolve com "uma catástrofe", como a perda do emprego ou até de um familiar."

(in Diário de Notícias)

Pronto, eu sabia que tinha traços patológicos, mas ao ponto de precisar de uma catástrofe para os resolver, nunca me passaria pela cabeça (afinal de contas sou patológico!). Mas já agora que fique assente que não gosto sempre das pessoas erradas para mim. Também há alturas em que fico de quatro pelas pessoas certas. Elas é que não aceitam bem o facto de serem as mais acertadas para mim. Devem ser daquelas que querem algo complementar. Cruzes credo!

quinta-feira, março 29, 2007

Opiniões

O Pedro Ramos acha que foi a última música verdadeiramente inocente a ser escrita. Sem segundos sentidos. Palavras dele. Eu apenas acho que a música me recorda tempos mais inocentes. Menos preocupantes. Menos exasperantes. Mais felizes, provavelmente. No gira-discos, para confirmar.



Á beira do descanso


Belém, Fevereiro de 2007

Em dia

"A Amnistia Internacional congratula-se com a designação do ano 2007 como o “Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para todos”, como um reconhecimento de que a discriminação na UE vai para além do racismo.

(...)

De acordo com os dados do Eurobarómetro, os portugueses não encaram a imigração com preocupação (3%) ao contrário de 21% dos seus homólogos europeus que salientam a imigração como um problema que o país enfrenta. Portugal (66%) surge como o segundo Estado Membro – após a Suécia (79%) – cujos cidadãos mais defendem que os imigrantes constituem um contributo importante para o país."

(in Amnistia Internacional Portugal)

Le Pen-ismos

(Diário de Notícias)

... E o último a sair, que feche a porta e a tranque a sete chaves.

quarta-feira, março 28, 2007

Telefonema

23:10

Ela fez-lhe um telefonema e ele, quase sem se aperceber, ficou a pensar. A pensar nas palavras dela como a acção que tinha despoletado as reacções (leia-se sentimentos) pelas quais estava agora a passar. A voz dela tinha-lhe parecido distante, como se estivessem em pólos opostos do planeta, quando na verdade havia apenas meia dúzia de quilómetros entre eles. Porquê a distância? Porque ela parecia mesmo preocupada com ele ou porque ele estava numa tal diferença de frequência que nem sequer sabia o que lhe responder? Ele nunca tinha sido bom em articular o que se passava na sua cabeça, e ela nunca tivera problemas em o deixar embasbacado com a sua frontalidade. Na boca dela, uma simples pergunta como se ele estava bem, era o suficiente para o deixar desarmado, pois sabia que o alcance dessa pergunta ia muito mais longe. Já devia estar habituado. Mas não, não era assim que acontecia. Ela sabia-o bem. E era exactamente por isso que nunca desistia, mesmo quando do outro lado da linha apenas se ouviam monossílabos incoerentes e envergonhados. Ela sentia-o diferente e ele não sabia se realmente o estava. Ela dizia-lhe o quanto ele significava para ela. Ele dizia idem idem aspas aspas, enquanto levava as mãos à cabeça e não acreditava o quanto idiota aquilo lhe tinha soado. Ela esperava por ele. Ele tinha dúvidas atrás de dúvidas e a única certeza que se firmava era o quanto gostava de ouvi-la. Nunca se cansava de a ouvir, mesmo quando ela quase exasperava por uma resposta dele. "Estás bem?". "Acho que sim". Ela perguntava-lhe pelo presente. Ele fugia, qual animal encurralado, e respondia-lhe com lembranças do passado. A voz dela procurava, ansiava por ir ao encontro das emoções dele, saber o porquê, o porquê da ausência de chama, o porquê da fuga sem destino. E do lado dele, apenas uma certeza, no meio de tantas imagens desfocadas. A indiferença. O caminho de um único sentido. Um dia igual ao outro igual a outro ainda. Bem espremido, a voz dele tinha conseguido articular aquilo. Do mal o menos. Ela sentia saudades dele. Ele, com o receio usual, achava que as coisas não estavam assim tão más. Ele propôs um encontro, um café, um copo, algo. Ela concordou mas também avisou que não era uma questão de cobrança. Ela disse-lhe que era algo que ia muito mais ao âmago deles os dois do que ele queria acreditar. Ele também sentia isso mas guardou-o para si. Ela despediu-se. Ele também. Ambos estavam cansados. Não das suas vozes ao telefone, mas sim dos seus dias. Dias sem fim.

00:44

... the answer is within you.


No Road

"Since we agreed to let the road between us
Fall to disuse,
And bricked our gates up, planted trees to screen us,
And turned all time's eroding agents loose,
Silence, and space, and strangers - our neglect
Has not had much effect.

Leaves drift unswept, perhaps; grass creeps unmown;
No other change.
So clear it stands, so little overgrown,
Walking that way tonight would not seem strange,
And still would be allowed. A little longer,
And time will be the stronger,

Drafting a world where no such road will run
From you to me;
To watch that world come up like a cold sun,
Rewarding others, is my liberty.
Not to prevent it is my will's fulfilment.
Willing it, my ailment."
Philip Larkin
(in Collected Poems)


domingo, março 25, 2007

Infímos

"Porque será que estamos condenados a ser assim tão solitários? Qual a razão de tudo isto? Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, todos irremediavelmente afastados. Porquê? Continuará a Terra a girar unicamente para alimentar a solidão dos homens?"

Haruki Murakami

13:37

16:27

21:05

23:47

11:41

12:19


Há dias assim. Sejam eles com um sol quente ou com nuvens cinzentas por cima de nós. Com pouca gente à nossa volta, com uns quantos milhares ou com pessoas que nada têm a ver connosco e que parecem de outro planeta. Em pequenos momentos, lembro-me que não estou, de facto, sozinho. Que tenho comigo pessoas que, por pouco ou por muito tempo que passe sem nos vermos, nunca saem da minha vida. Que estão presentes e que partilham a minha própria alma e que são capazes de me surpreenderem sempre. E que mesmo que as polaroides mostrem imagens de suposta solidão, há outras pessoas que estão por trás delas. A que segura a câmara e as que, de algum modo, "seguram" a pessoa que segura a câmara. A vida nem sempre é perfeita mas nas entrelinhas anda muito lá perto. Bem hajam.


quinta-feira, março 22, 2007

Kaizen

e Poka Yoke, e Gemba, e Muda, e Mura, e Muri, e Seiri, e Seiton, e Seiso, e Seiketsu, e Shitsuke.

Reservo-me o direito de comentar tudo isto noutro dia, quando os níveis de cansaço e/ou cinismo ficarem reduzidos o bastante para começar a pensar com clareza.

terça-feira, março 20, 2007

Sputnik, meu Amor

"Acho que a maioria das pessoas vive fora da realidade. Eu não sou excepção. Basta pensares na transmissão de um carro. É como se existisse uma transmissão que nos liga à crua realidade da vida, capaz de utilizar a energia do exterior através da embraiagem para que as mudanças engrenem na perfeição. É assim que mantemos o nosso frágil corpinho intacto. Isto faz algum sentido para ti?"

Haruki Murakami


segunda-feira, março 19, 2007

Todos os dias...

Não sei o que escreva este ano, muito provavelmente porque o sentimento continua a ser o mesmo do ano passado. Por isso, e porque assim que acabei de ler as palavras do SK, achei que as podia pedir "emprestadas", aqui deixo um excerto que acho que tem tudo a ver contigo, pai.

"Tu és o homem do momento. De obra feita, dir-se-ia em linguagem corrente. Mas ainda com muito para acompanhar na conservação da mesma, tão necessitada ainda da tua intervenção."

E, já agora, deixo por aqui uma onda sonora que sei que gostas, por mais anos que passem...


Tempo de escrever

É tempo de responder a todos os mails que se têm acumulado na inbox.
É tempo de acabar com todas as desculpas que apenas servem para adiar as respostas que custam a escrever, que magoam a alma e a esvaziam, lentamente.
A escrita doi, mais até do que pegar no telemóvel e ligar àqueles que querem saber notícias de nós. As palavras de circunstância que se podem dizer diferem muito daquelas que podemos escrever. O tempo, a saúde, o trabalho, as relações afectivas. Tudo coisas que nos rodeiam, que fazem parte de nós e daquilo que somos, mas será só isso? À medida que as palavras vão aparecendo no reply, pergunto-me o que irá pensar a pessoa do outro lado. O que irá pensar da forma como a vida me tratou, os caminhos que percorro e as encruzilhadas que deixei para trás. A maneira como o nosso futuro foi e continua a ser feito. A(s) distância(s) que nos separa(m).
Os dedos percorrem as teclas.
Qual efeito de cátarse, sinto um peso a sair de cima do meu espírito.
Custa, mas agora já comecei. Nada de passos atrás.
Send.

domingo, março 18, 2007

Memoria de mis putas tristes

"No tengo que decirlo, porque se me distingue a leguas: soy feo, tímido y anacrónico. Pero a fuerza de no querer serlo he venido a simular todo lo contrario. Hasta el sol de hoy, en que resuelvo contarme como soy por mi propia y libre voluntad, aunque sólo sea para alivio de mi conciencia."

Gabriel García Márquez


sexta-feira, março 16, 2007

Ondas Sonoras - XXVI

(balão de oxigénio para um blogue meio moribundo)

Calor em Março. Sol intenso que nos aquece o corpo. Só posso encontrar uma explicação para estes fenómenos pré-veraneantes. E tudo se deve a um único homem. Um homem que decidiu lançar raízes tropicalistas neste rectângulo tão cinzentão. Neste disco respira-se o Brasil do samba, mas não o samba frenético que costuma invadir os nosso ecrãns de televisão por alturas do Entrudo. Este é um samba elegante, que se insinua no aproximar dos corpos, nos copos que passeiam de uma mão para a outra, num ligeiro menear de ancas, só o suficiente para irmos degustando a música do senhor JP Simões. E como se isso não bastasse, ainda nos deixa a inquietação do senhor José Mário Branco. A inquietação que nos deixa quase sem respiração. E o resto? Músicas com M grande... Eu estou apaixonado por esta. Não me canso de a ouvir. Sempre em repeat, como no éter...

quarta-feira, março 14, 2007

Cicatriz

substantivo feminino


1.
marca deixada por um golpe ou uma ferida;

2.
BOTÂNICA sinal que a folha caída deixa no caule;

3.
figurado lembrança de uma dor moral, desgraça ou ofensa;

4.
figurado ressentimento;

(Do lat. cicatríce-, «id»)


© Copyright 2003-2007, Porto Editora.

domingo, março 11, 2007

Lei de Murphy Invertida

Um filme que contenha músicas de Sufjan Stevens só pode ser necessariamente excelente.


(Little Miss Sunshine)

Ou de como os pequenos e grandes tropeções que damos na vida, erradamente chamados de falhanços, apenas podem servir para compreendermos de que essência somos feitos. O que é que nos move inapelavelmente para a frente, sem olharmos para o que os outros pensam de nós. Sermos verdadeiros para nós próprios. Vivermos a vida como se fosse oxigénio e não apenas uma sequência mal aproveitada de eventos. Divertirmo-nos com aqueles que amamos enquanto a montanha-russa segue, ravina acima, ravina abaixo. Mandar as neuras à merda e sorrir enquanto o fazemos. Em duas palavras, muito bom. É por isto que eu gosto de ir ao cinema.

Ah, e o Steve Carell é um pequeno génio cómico. "Só" isso.


quarta-feira, março 07, 2007

Elos

Ou de como amizades espontâneas, nascidas fora de um ambiente que consegue ser demasiado individualista, se podem tornar autênticas e dar origem a um ritual que de brincadeira desagua numa quase tradição milenar de celebração da vida. E que bom que é estar vivo convosco...

sexta-feira, março 02, 2007

Adeus - II

Desde que me lembrava que gostava do gin tónico que ele preparava. Não o sabia explicar mas havia alguma coisa na forma como ele misturava a bebida que me deixava fora de mim. Especialmente depois de a beber. Havia até quem, no nosso íntimo círculo de amigos, me acusasse de que essa era a única razão pela qual não o deixava. Afinal, discussões entre ambos era coisa a que todos eles já tinham assistido pelo menos uma vez. Imagino que havia algo mais para além do gin tónico para eu não o largar. Talvez o estilo de vida que ele me proporcionava, apesar do meu trabalho ser igualmente recompensador. Acho que, no fundo, era uma questão de conforto. Sim, seria isso, sentia-se confortável no papel de esposa leal, com algum status social, convivendo com ele e os seus amigos, indo a restaurantes onde normalmente havia uma lista de espera de meses, sendo convidada para todas as festas relevantes que aconteciam na cidade, enfim. Nada disso acabava por me impedir de ter os meus casos por fora. Como, aliás, ele também os teria, pelo menos era isso o que eu pensava. Ele bem tentava descobrir se eu lhe era, de facto, dedicada, dizendo-me vezes sem conta que me amava como nunca tinha amado ninguém. Eu, como de costume, encolhia os ombros, desviava o olhar, e bebia mais um golo do gin que ele me tinha preparado. Primeiro, a sensação abrasiva do gin, e depois o gosto doce que permanecia na minha boca. Mas não naquele golo. Não, havia algo de estranho. Aquele gin tónico parecia que não tinha sido preparado por ele. Algo estava errado. Comecei a suar. Mas eu nunca suava! Olhei para ele, o seu olhar parecia estar à espera de algo. Tentei correr, não sabia bem para onde. Mas não consegui. Caí desamparada no chão. Tinha as pernas e os braços paralisados, não me conseguia mexer. Comecei a sentir a dura realidade do que tinha acontecido. Olhei para ele mais uma vez, enquanto começava a respirar com cada vez maiores dificuldades. Nos seus olhos vi o veneno. O veneno que ele tinha destilado. O veneno de alguém que já não aguentava ver o meu amor esbanjado noutros braços. Tentei falar, gritar. Nada. Apenas o silêncio e a escuridão a envolverem-me, cada vez mais rápido. Derramei uma lágrima enquanto expirava pela última vez...

quinta-feira, março 01, 2007

R.I.P.


Foi um grande guarda-redes. Não sei se terá sido o melhor de sempre português, mas que foi um dos que mais me impressionou a defender as redes do Benfica, a par do enorme Michel Preud'homme, isso sem dúvida. Nunca o conheci, mas sempre me pareceu alguém avesso ao protagonismo fácil. De certa maneira, lembra-me outro futebol, outros tempos. Tempos em que se falava mais das qualidades e exibições dos jogadores e menos dos seus salários. Ainda há bocado, ao ver as imagens da meia-final no França 84, senti uma saudade eterna dos tempos em que era pequeno e ia para a baliza da minha equipa na primária e dizia sempre que era o Bento. Paz à sua alma.

Querido diário,

Hoje cruzei-me nas ruas de lisboa com o João Almeida. Será que corro o risco de passar a fazer compras na Quebra-Mar? Ou, pior ainda, será que o vou passar a ver todos os dias ao lado do novo pseudo-D. Sebastião?

O que não tem remédio, remediado está.

Adeus

O frio da lâmina ao tocar na pele da garganta. A sensação de formigueiro enquanto a lâmina leva consigo os pêlos faciais. A impotência que percorre o meu corpo todas as vezes que ela insiste em me fazer a barba. Medo ou excitação, nunca sei bem o que sinto realmente. As mãos dela passam pelo meu rosto enquanto limpa a lâmina. Estranho ritual este que se criou entre nós. Não consigo ver a sua cara, não sei se tira algum prazer deste exercício ou se é apenas uma forma de lembrar que a minha vida lhe pertence. Em todos os sentidos. O sangue corre mais depressa nas minhas veias quando a lâmina acaricia a maçã de Adão. Na verdade, nas primeiras vezes que ela insistiu em usar ela própria a lâmina, o sangue jorrou, pouco é certo, mas mesmo assim fez a sua aparição. Desde então, as suas mãos tornaram-se mais agéis, mais subtis e nunca conseguiria eu próprio fazer a barba melhor do que ela. Mas hoje algo se passa. Noto-lhe um nervosismo que há muito não via. Sinto a lâminha a arranhar um pouco mais. Vejo-a a pegar mais vezes no copo de vinho que sempre coloca à minha frente. Faz parte do ritual. Mas hoje o copo está quase vazio e a barba ainda nem sequer vai a meio. Sinto receio. Receio que alguma coisa não esteja bem. Receio que ela tenha andado a vasculhar o meu casaco. Receio que tenha deixado no casaco algo da noite anterior. Receio que... Receio que a lâmina esteja a ir mais fundo do que devia. Receio que a minha pulsação tenha disparado enquanto um fio de sangue começa a esvair-se da minha garganta. Receio que esse mesmo sangue comece a não me deixar respirar. Receio que ela não merecesse a minha traição tanto como eu merecia esta morte que agora se anuncia...