quarta-feira, novembro 29, 2006

Rafael

Era uma vez um pequeno pinheiro chamado Rafael. Rafael viva numa dessas matas perdidas no interior do país, apenas atravessada por caminhos de terra batida. Convivia principalmente com os pequenos pardais e outros pássaros que aproveitavam os seus jovens ramos para fazerem os seus ninhos e criarem as suas famílias. Também à sua volta se passeavam alguns esquilos e de vez em quando vislumbrava um ou outro lobo perdido no seu caminho. E depois, muito raramente, também via aquelas estranhas criaturas que caminhavam em apenas duas patas, mas que não tinham asas como os seus vizinhos pássaros, apenas mais dois membros que apenas ficavam suspensos no ar, sem fazerem nada. Normalmente passavam a correr, vestidos de cores garridas e nunca se demoravam muito tempo naquela parte da floresta. E assim foi até um dia de Outono, em que aparecera uma estranha máquina, que fazia muito barulho e que afugentou todos os pássaros que se encontravam poisados nos seus ramos e nos dos seus irmãos pinheiros. De dentro dessa coisa, saiu uma dezena daquelas estranhas criaturas bípedes, muitas mais do que as que tinha visto em toda a sua vida. E ficou horrorizado ao ver que essas criaturas começavam a arrancar do seu leito terreno os seus irmãos pinheiros. Um após um iam sendo levados para dentro da máquina. E pela primeira vez na sua vida Rafael sentiu uma tristeza profunda que o sacudiu da ponta das suas raízes até ao mais alto dos seus ramos. Até que deu por si próprio a ser também arrancado da sua adorada floresta. Sentiu aqueles monstros a tirarem-no da sua terra, a colocarem-no no interior da máquina, juntamente com todos os outros pinheiros e teve um pressentimento que nunca mais veria aquela que tinha sido a sua casa até aquele momento. Perdeu os sentidos. Mergulhou na escuridão à medida que sentia a máquina mover-se. Quando se sentiu regressar à vida, Rafael apercebeu-se que estava dentro de terra novamente. Mas esta terra era esquisita, sentia as raízes apertadas, algo não estava bem. Estava, de facto, novamente na terra, mas apenas num pequeno pedaço dela. E estava rodeado de mais pinheiros, muitos mais pinheiros, mas todos eles pareciam tão desanimados como ele. Sentia uma luz muito forte mas não era o seu adorado Sol. Não, aquela luz não lhe aquecia os ramos como o seu amigo dos tempos da mata. Aquela luz era demasiado intensa e piscava ininterruptamente. Depois olhou ainda mais à sua volta e viu dezenas, centenas, provavelmente quase aos milhares dos mesmos monstros que o tinham arrancado da terra. E nesse momento sentiu uma enorme angústia, pois não podia fugir dali. As suas raízes não estavam equipadas para isso. Até que um dia duas das criaturas bípedes, acompanhadas de uma versão reduzida da sua espécie, se dirigiram a si, pegaram nele e levaram-no daquela espécie de casa, cheia de luzes artificiais, barulhos desconhecidos, e as constantes vozes das criaturas. Não demoraram muito a chegar a uma outra casa, mais pequena, mais sossegada, mais quente, enfim tudo o que a anterior não tinha sido. Mesmo assim, as saudades que Rafael sentia da sua floresta continuavam a aumentar de dia para dia, nada atenuando o seu desgosto. Mas havia alguma coisa de diferente. Aquelas criaturas pareciam dar-lhe mais atenção do que todas as outras que se tinham cruzado com ele. Passaram muitas horas de volta dos seus ramos, a pendurarem bolas, estrelas, laços e envolveram-no também de muitas fitas, de brancos nevosos e vermelhos berrantes. E à volta do seu pequeno recipiente de terra colocaram muitas e muitas caixas, umas grandes outras mais pequenas, todas cobertas de cores várias e com laços e laçarotes. Até que chegou um dia em que a casa se encheu de mais gente, houve muita comida e bebida, muitas criaturinhas pequenas a correrem de lado para o outro e à sua volta, e já a noite ia longa quando todas as caixas e caixinhas que tinham sido a sua companhia naqueles dias foram desembrulhadas e abertas e de lá de dentro saíram muitas e muitas coisas, todas elas desconhecidas para Rafael. Quase que se tinha acostumado àquelas criaturas que o tinham rodeado durante todos os dias. Mas ansiava por um dia poder esticar as suas raízes para lá daquele pequenino pedacinho de terra que agora tinha, e poder estar novamente rodeado dos seus irmãos pinheiros, e ter mais uma vez a companhia do alegre chilrear dos seus amigos pássaros. E foi isso que pensou quando, numa noite, uma das criaturas que ali moravam pegou nele, arrancou-o da terra e saiu daquela casa que tinha sido sua durante algum tempo. Mas uma vez cá fora, não viu qualquer sinal da sua floresta ou de outra qualquer. A criatura deixou Rafael dentro de um contentor verde, sem terra, sem água, sozinho e abandonado. E à medida que sentia a ampulheta da sua vida a esgotar-se cada vez mais rapidamente, Rafael apenas teve tempo de ver a Lua, lá no alto, e ter um último momento de recordação da sua amada floresta, onde tinha passado os seus momentos de maior felicidade. Era tempo de dormir e sonhar com árvores de plástico, iguais a ele próprio...

sexta-feira, novembro 24, 2006

Paz e Amor


(Clicar na imagem)

"The intent is that the participants concentrate any thoughts during and after orgasm on peace. The combination of high- energy orgasmic energy combined with mindful intention may have a much greater effect than previous mass meditations and prayers.

The goal is to add so much concentrated and high-energy positive input into the energy field of the Earth that it will reduce the current dangerous levels of aggression and violence throughout the world."

quinta-feira, novembro 23, 2006

Dream a little dream

Ok, eu admito, sou completamente apanhadinho por uma história de amor. Mas não daquelas de encher pacote ou tarde de televisão de fim-de-semana. Não, eu gosto de histórias de amor que passem pelas mesmas dificuldade/realidades que vejo todos os dias, nos meus próprios relacionamentos e nos daqueles que me rodeiam. É certo que as histórias de amor de Michel Gondry têm sempre um elemento surreal à mistura, mas no seu âmago tratam sempre das angústias e obstáculos que colocamos a nós próprios e à nossa felicidade com outrém. Isso misturado com a imaginação quase infantil de Gondry cria momentos únicos de beleza que nos deixa um sorriso ou uma lágrima como recordação. Gael e Gainsbourg fazem um par gentil e credível, quer nos momentos de maior união, quer naqueles em que os sonhos/pesadelos se metem pelo meio e os afastam da sua construção da floresta no barco em busca do mer. Foi um sonho bonito que passou por mim ontem à noite. E aqui, ainda fiquei a saber o que é que os meus sonhos dizem de mim... Será?


quarta-feira, novembro 22, 2006

Mito Urbano

Os meus pais nunca me falaram no papão. Nunca me disseram que quando somos crianças temos monstros a viverem por baixo da nossa cama. Que no escuro há coisas que desconhecemos. Nunca me ameçaram com estas coisas caso eu me portasse mal. Talvez porque sempre gostei de comer a sopa e nunca me esquecia de fazer o TPC antes de ir para a rua jogar à bola com os amigos. Mas também nunca foram uns pais super-protectores. Deixaram-me sempre dar os meus pequenos pulos no desconhecido. Aprovavam o facto de às vezes passar mais horas a ler algo do que em vegetar em frente a um ecrãn de televisão. Reprovavam o que tinham de reprovar e quando eu saía de linha diziam-mo logo, sem rodriguinhos, sem paninhos quentes, sem bichos-papões, sem lérias. "Portaste-te mal. Isso não se faz. Não o tornas a fazer, estamos entendidos?". Eles sempre foram assim e podiam-no ser quando eu era criança, porque eu era de facto uma criança e eles eram os pais. Mas os meus pais esqueceram-se de me dizer que os papões existem mesmo, especialmente quando entramos na idade adulta. Eles atravessam-se no nosso caminho, no dia-a-dia insistem em fazer parte da nossa vida, mesmo quando não os queremos. Estes papões insistem em fazer-nos crer que apenas eles têm a razão do seu lado, que nós somos uns inexperientes que apenas fazemos erros atrás de erros. Que eles, os papões, são o supra-sumo da sabedoria e o expoente máximo do medo que ensombra as nossas vidas. Que fazem tudo para que acreditemos que eles são mesmo a coisa mais aterrorizante à face da terra. Mas e eu, que nem sequer sabia da existência destes seres malignos? Como é que eu fico? Bom, acho que o truque é, como diria a sensual Miss Shirley, continuar a respirar, enfrentar estas aberrações de frente e não deixar que elas se achem no direito de nos intimidarem. E provavelmente, se assim o fizermos, o mais certo é que esse papão nos vire as costas, resmungando para com os seus botões e que volte para debaixo do calhau de onde saiu... Obrigado, mãe. Obrigado, pai.

Natal Seguro

E eis que numa bela manhã de Novembro, a principal artéria da minha bela localidade fica enfeitada com umas bonitas bóias de salvamento. Será que também vamos ter o Mitch no jipe, a subir e a descer a avenida? Isso é que era um Natal inesquecível...

 

(Fotos em breve)

 

segunda-feira, novembro 20, 2006

Dormente

adjectivo 2 géneros


1.
que dorme; adormecido;

2.
entorpecido;

3.
estagnado;

4.
fixo; quieto;

5.
sereno;

6.
BOTÂNICA diz-se das folhas vegetais que se enrolam de noite;


substantivo masculino


1.
peça fixa de marcenaria ou de serralharia;

2.
peça da atafona (instrumento de moagem de grãos);

3.
trave em que assenta o soalho;

4.
(via-férrea ) cada uma das travessas em que assentam os carris;

(Do lat. dormiente-, part. pres. de dormíre, «dormir»)


© Copyright 2003-2006, Porto Editora.

domingo, novembro 19, 2006

Os meus doze aromas

O cheiro das ondas salgadas a chocarem contra as rochas.
O cheiro de uma torrada acabada de fazer.
O cheiro do perfume francês da minha avó.
O cheiro das uvas na adega do meu avô.
O cheiro dos eucaliptos nas matas ao pé do Guincho.
O cheiro da mercearia da D. Luisa.
O cheiro do incenso na missa do galo em Valdigem.
O cheiro do bacalhau à brás da minha mãe.
O cheiro da lenha a arder na lareira na casa dos meus avós paternos.
O cheiro de um Montecristo fumado em boa companhia.
O cheiro de uma garrafa de vinho do Porto acabada de abrir.
O cheiro dos cabelos dela...

Se ao menos o Blogger me permitisse colocar todos estes cheiros aqui, não tinha havido necessidade de os enumerar a todos de uma forma atabalhoada...

"He had the power in his hand. A power greater than the power of money, terror or death; the undisputable power of inspiring love in human beings."

sexta-feira, novembro 17, 2006

Questões pessoais


My blog is worth $14,113.50.
How much is your blog worth?



Já que fui privado do meu direito a ser excêntrico, posso sempre vender o Espaço Cinzento...

Adenda

Provavelmente, o escrito anterior foi motivado por mais uma vez apenas ter ganho prémio no Eurocêntimos...

Renez-va-plius et faitez vós jeuz...

Serviço de utilidade pública - XII

Sempre sonhei ter umas orelhas como as do Yoda ou, mais refinadas, como as do Mr. Spock. Aquelas orelhas pontiagudas sempre me impressionaram e sempre ficaram na minha mente como o derradeiro sinal da enorme inteligência e postura zen daquelas personagens. O meu QI sempre ansiou por aquelas orelhas, sempre precisou de um símbolo, nem que fosse só para dar nas vistas. E o nariz? Desde que li o Gogól que tenho pesadelos com a fuga do meu nariz. Solução? Ter um nariz demasiado grande para que não possa fugir, uma coisa assim à Depardieu. Todos sabem que o raio do francês só é bom actor por causa daquela penca descomunal no meio da cara. As senhoras não resistem aquele nariz francês! E um transplante capilar? Quem me conhece sabe que herdei os sacanas dos genes cálvicos do meu velhote, de modo que não há-de demorar muito a sentir uma enorme corrente de ar no cimo do meu deformado organismo. O meu desejo era mesmo ter uma enorme carapa, ao melhor estilo hendrixiano. Enorme. Pelo menos com meio metro de altura. Algo assim como a Marge, mas sem ser azul (dá muito nas vistas). Os lábios não os queria maiores, pelo contrário, fininhos, quase inexistentes. Podia enxertá-los e oferecer o remanescente à Angelina (ouvi dizer que ela acha os dela ainda pequenos). Ah, e é claro que nenhuma remodelação plástica ficaria completa sem uma bela lipo-aspiração. Que bom seria aspirarem-me aquele excesso de banha que se passeia por este corpo tão longe da perfeição. E depois ainda ia pedir ao cirurgião que me guardasse toda aquela banha líquida num grande recipiente, para poder oferecê-la como prenda de Natal a uma pessoa por quem nutro muito carinho. Uma verdadeira prenda gordurosa, quase luzidia. O ideal para a minha mula, perdão, amiga. E depois... Seria a felicidade! Toda a minha vida iria tomar um rumo diferente. Finalmente ia conseguir ter muitos amigos e amigas (coloridos e descoloridos), o dinheiro jorraria aos montes, seria convidados para altos cargos... Isso sim, seria a vida que me estava destinada desde o início...

E o melhor de tudo, com grande audiências. Obrigado, TVI, por mais um momento gratuito de desgraça humana. Bem hajas! "Com um sorriso nos lábios e uma mensagem de esperança."

quarta-feira, novembro 15, 2006

Remédio Santo

If Man is 5...
If Man is 5
If Man is 5
Then the Devil is 6
Then the Devil is 6
Then the Devil is 6
And if the Devil is 6
Then God is 7
Then God is 7
Then God is 7

Primeiro passo para a doença mental. Ou pelo menos algo aproximado.
E hoje não escrevo mais nada. Está a chover.

terça-feira, novembro 14, 2006

Como tornar-se doente mental

"Se o leitor quiser ser fóbico, existe uma palavra que tem de retirar do seu dicionário: medo. Você está com as pernas a tremer, o peito afogueado, o coração a bater insuportavelmente, os pêlos eriçados, desfaz-se em suores frios, tem os olhos arregalados, mas não tem medo. Tem antes uma fobia, um ataque de pânico (passe o estúpido nome que os psiquiatras lhe deram), uma crise nervosa, mas medo, nunca.

[...]

Em tudo o resto você pode continuar a arriscar, mas uma boa parte das suas possibilidades vitais fica definitivamente arredada do horizonte. Tanto assim é que nem pensa muito nisso, a não ser que um percalço ou a insistência de um amigo ignorante dos seus tabus o leve a encontros inesperados. Esgotadas as suas evasivas, aí está o "inimigo", à frente dos seus olhos. Trata-se, para o comum dos mortais, de uma coisa banal, uma ridicularia que qualquer um vence sem problemas. Para si é uma coisa sagrada, que teme mas simultaneamente o fascina, como se fosse uma fronteira franqueável da sua vida. Repulsa e desejo, diria um psicólogo; porém, para si, continua a ser um problema topográfico, uma fronteira. Uma fronteira que talvez pudesse ultrapassar. Cuidado, porém, porque, se o fizer, não sei onde irá parar. Conheci um homem que, vencido o medo dos ratos, se tornou pegador de toiros."

Lugar da Estrada

Por vezes as palavram apenas atrapalham. Complicam. Minimizam. Descontextualizam. Um olhar ou um gesto podem dizer quase tanto ou mais. O silêncio também pode ser visto como uma virtude, especialmente quando não sabemos concretamente como verbalizar aquilo que realmente sentimos. Poderá ser uma inépcia mas por vezes é mesmo assim que me sinto. E é provavelmente por essa razão que gosto tanto das fotografias que vou tirando por aí. Não que sejam um portento de técnica ou de beleza mas simplesmente porque são um prolongamento do meu próprio olhar e que normalmente têm uma vida temporal que até a mim me surpreende. Por isso e por tudo aquilo que escrevi nas linhas acima, é que me posso deixar de palavras confusas e deixar só uma fotografia.

domingo, novembro 12, 2006

Gondry = Cientista de Sonhos


"Will you marry me when you are seventy and have nothing to lose?"

Para quem não conhece o trabalho de Michel Gondry, fica aqui um sonho do qual já disfrutei muitas vezes e nunca me canso. E agora é só esperar pela estreia de mais este sonho. Ah, e já agora, aqui ao lado, no Gira-Discos, fica um sonho mais pequenino mas que não deixa de ser um sonho bem bonito feito por este grande "cientista".

quinta-feira, novembro 09, 2006

Serviço de utilidade pública - XI


(Via Canochinha, a quem deixo uma vénia; originalmente aqui)

Sóbrio

Desde que me lembrava que aqueles jantares de empresa eram sempre assim. A desculpa costumava estar relacionada com o libertar da tensão acumulada de meses e meses de árduo trabalho e acabava por ser uma forma de melhorar o espírito de equipa e os laços entre todos os trabalhadores da empresa. Nobre propósitos, é certo, mas o que é que acabava por acontecer, ano após ano? Demasiadas bebidas alcoólicas à borla. A maior parte das pessoas deixava-se levar nas ondas enebriantes do que quer que contivesse uma pontinha de alcoól. Até podiam estar levemente envergonhadas no início e irem pedido garrafinhas de água, mas quando se chegava à sobremesa poucas pessoas sóbrias ainda restavam. Eu? Apesar de constatar todos estes factos em todos os anos que passei naquela empresa, não era nenhuma nobre excepção e também eu me deixava perder por entre copos de vinho tinto e whiskies escandalosamente maus de tão novos que eram. Por isso, quando foi confirmado que naquele ano o jantar seria num restaurante brasileiro, e apesar da racionalidade pensar em "picanha", a primeira palavra que começou a aflorar nos lábios de cada um foi "caipirinha". Na verdade, o plural deveria ter sido utilizado logo desde o início. O jantar foi bom. Apesar de nesse ano ter havido um corropio de re-modelações, re-organizações, re-estruturações e mais não sei quantas res-qualquer coisa, e não haver muita disposição para sequer pensar em trabalho, o jantar correu muito bem, apesar de agora não me lembrar que vinho fantástico era aquele que tinha bebido. O pior foi quando começou a música, naturalmente acompanhada da infame bebida brasileira que acaba em diminuitivo, como se isso desvalorizasse o conteúdo alcoólico. Foram muitas, demasiadas. As inibições começaram a cair por terra. Antigos desejos reprimidos surgiram à superfície. Eu tentei manter-me num canto, despercebido, mas não o consegui. Quando dei por mim já me encontrava também a dançar, ou melhor, a rodopiar no meio de tantas pessoas que eram do meu quotidiano mas que ali me pareciam perfeitos desconhecidos. Já a entrar na madrugada houve quem sugerisse ir a um bar que ficava ali perto. Felizmente era perto, podíamos andar um pouco, talvez assim a sobriedade nos pudesse cobrir um pouco a todos. Sol de pouca dura. Assim que entrámos no bar alguém me passou um whisky para a mão. Tanto quanto me lembro foi o primeiro de muitos mas naquela noite só me ficaria a recordação daquele único copo. Mais música, mais dança, mais bebida. O bar era todo ocupado por nós. E foi aí que a vi. Sónia? ou seria Paula? Lembrava-me vagamente que trabalhava nos recursos humanos, juntamente com as outras três raparigas que dançavam com ela. Os olhos dela estavam fixos em mim e, provavelmente, os meus estariam fixos nos dela. Andámos na direcção um do outro e, pelos passos desajeitados, estavamos ambos bêbados. Demasiadamente bêbados. O som da música não permitia grandes conversas mas, mesmo que o permitisse, não me parece que estivéssemos interessados nisso. Não depois daquele beijo intenso no qual tínhamos mergulhado. Tenho a ligeira impressão que não passaria pelas nossas cabeças tal acto, não fosse o nosso sangue estar tão inebriado ao ponto de fazer os nossos lábios juntarem-se daquela maneira. Ainda abraçados um ao outro, começamos a dançar, e a rodopiar no meio dos nossos colegas de trabalho. Todos de cabeça perdida, intoxicados no centro daquele ritual que se repetia todos os anos. Dançámos, bebemos e beijámo-nos uma outra vez. E de repente, quando as nossas pernas já se sentiam fartas de nos sustentar, acabámos os dois no chão, estendidos ao comprido no chão daquele bar. E pelo meio do alcool e de uma dor que nascia palpitante no meu tornozelo, apenas consegui pensar nela. No dia em que tínhamos casado. No dia em que beijei a mulher mais bonita do mundo. No dia em que jurámos que iríamos pertencer um ao outro até ao fim dos nossos dias. No dia mais feliz da minha vida. Senti-me asfixiar. Precisava de ar. Os meus colegas tinham-me devolvido à minha posição vertical e eu aproveitei para cambalear até à rua. As dores no tornozelo eram agora alucinantes. Assim que senti o ar frio da noite, senti-me mal disposto e logo de seguida dobrei-me encostado à parede e vomitei. Precisava de alguns minutos para me recompôr e por isso sentei-me no chão empedrado da rua. Só nessa altura reparei que nas ruas já se encontravam as decorações de Natal acesas. As luzes feriam-me os olhos mas eu não queria fechar os olhos. Sabia que se fechasse os olhos me iria lembrar que já não estava com ela. Que já não partilhava a sua cama nem o seu corpo junto ao meu. Iria lembrar-me que o meu amor por ela tinha passado de um fogo para uma leve chama, que mesmo assim ainda ardia, ainda que já separado dela. Sentia que a tristeza da separação começava a voltar a apoderar-se de mim. Tinham sido dois meses muito dificeis e muito longos. Não necessitava disso, não outra vez. Precisava mesmo era de uma bebida...

(Banda sonora e fonte de inspiração aqui)

quarta-feira, novembro 08, 2006

O Mal ao cimo da terra?

Vaticano pede anulação da marcha de Orgulho Gay em Jerusalém

(in Público)

Caro Bento XVI e demais membros do Estado do Vaticano, eu, enquanto crente na fé cristã (pelo menos desde a última vez que me vi ao espelho), não vejo os meus sentimentos feridos por um desfile de Orgulho Gay em Jerusalém ou, para esse caso, em Lisboa, no Cacém ou em qualquer outro lado. Também não me parece que, mesmo sendo Jerusalém uma cidade sagrada, um desfile deste género seja um grave afrontamento. Afrontamento serão, sem dúvida, os milhares de mortos que ao longo dos anos têm acontecido na faixa de terra à qual pertence Jerusalém, fazendo com que ambos os lados da barricada mantenham constantemente as suas mãos sujas de sangue inocente. Isso sim fere os meus sentimentos, não um desfile onde pessoas que se sentem marginalizadas nos seus direitos enquanto seres humanos, apenas e exclusivamente devido à sua orientação sexual, se manifestam por uma maior tolerância da parte dos "poderes altíssimos". Não, também não acho que deva haver limites à liberdade de expressão, especialmente não o deve haver se as expressões forem contrárias às nossas e forem feitas de uma forma pacifíca, como penso que estes desfiles o costumam ser. Em suma, acho que prestariam um melhor serviço à comunidade cristã se combatessem a pobreza que grassa nos países do terceiro mundo, ou a repressão causada por ditaduras que ainda perduram mesmo neste novo século, ou, simplesmente, que mandassem o idiota do W. calar-se cada vez que afirma que teve mais uma conversa com Deus e que por isso vai invadir mais um país que precisa de liberdade e, vejam lá, tem resmas de petróleo no seu subsolo. Mas não, parece ser preferível impedir uma marcha de homossexuais, como se o próprio Satã fosse estar presente. E depois ainda se questionam porque é que cada vez mais fiéis se afastam da Igreja.... Cresçam e apareçam, meus senhores. Eu também o fiz durante toda a minha vida...

terça-feira, novembro 07, 2006

Novidades Hertzianas

Descobri esta nova rádio por portas e travessas, nomeadamente blogueiras. A Química FM está a dar os primeiros passos na zona da Grande Lisboa, na frequência de 105.4 FM. E pelo que me foi dado a ouvir nos últimos dois dias, a coisa promete muito e bom, algo que começa a ser raro nos dias radiofónicos de hoje. E eles também prometem uma presença na Net, soon, very soon... E se quiserem ler mais sobre a Química FM e os seus programas, ficam aqui uma série de links.

1 Pouco Mouco

NetFM

Boa Noite e um Queijo

Otites

Triângulo Escaleno

Ex-Português Suave actual Padeira de Alcoitão

domingo, novembro 05, 2006

Cloud Atlas

"People are obscenities. Would rather be music than be a mass of tubes squeezing semi-solids around itself for a few decades before becoming so dribblesome it'll no longer function."

Ondas Sonoras - XX

Será que se eu escrever que este foi o primeiro disco que eu ouvi que me agarrou pelos colarinhos, abanou toda a minha massa cinzenta, para depois me apertar o coração com tamanha força que as lágrimas não pediram licença para correrem pela minha face abaixo, será que se eu escrever isto ainda preciso de escrever mais alguma coisa para vos explicar o que este disco significa para mim? A vida não é vida enquanto não se tiver ouvido músicas como Tyed, Whiskey & Water, City Sickness, Milky Teeth, Jism, Raindrops, Her, Drunk Tank ou The Not Knowing. Obrigado, meus senhores, por esta obra de arte que ainda hoje me assombra.

Dez

Uma completa falta de noção da realidade no que toca ao tempo disponível para ler e os livros que se vão amontoando em cima da secretária. Uma grande capacidade para ouvir todas as angústias dos meus amigos e uma igual enorme capacidade para escapar à partilha das minhas próprias angústias latentes. Uma necessidade premente de ter sempre o sol e/ou o mar perto de mim quando preciso de estar sozinho com os meus botões. Nunca me fartar de ouvir ou ler relatos de viagens aos mais escondidos recantos desta rocha flutuante a que chamamos Terra. Não conseguir estar mais do que cinco minutos chateado com alguém por quem realmente nutro sentimentos de amor ou amizade. Ter desenvolvido ao longo dos anos um ódio crescente a tudo o que seja gravatas, laços ou qualquer outro instrumento de tortura que se utilize à volta do pescoço. Demorar eternidades exasperantes quando se trata de alguma decisão daquelas que podem mudar o curso da minha vida (ok, houve Uma grande excepção). Uma tendência para chegar quase sempre a horas aos sítios, que normalmente choca de frente com a incapacidade da maior parte das pessoas chegar a essas mesmas horas. Não conseguir imaginar um dia sem ouvir uma música que me faça cantar para mim mesmo uns segundinhos. Chegar quase sempre cinco segundos atrasado a uma relação que podia ter durado o resto da minha vida.

Como diria o outro, prueva superada, não concordas?

quinta-feira, novembro 02, 2006

For you, my friend


(Seoul, South Korea, September 2000)

Because I feel like it...

It's been almost six years since we last saw each other. At that time we were left with almost half a world between us. Nowadays it's only one ocean but still it's a lot, right? I started remembering about the first day we met. Two strangers in a strange land. Only one thing in common, our faith. On that first day I remember a lot of things, Myoung-dong, Changdokkung Palace, Han River… You were taking your first steps on that massive city and I was actually being the host, who’d of think it? Our friendship grew with the days, and I still can hear a lot of echoes from our conversations. Our hopes, our expectations, our fears, our thoughts. And then there was the other side, the eating, the drinking, the dancing, and all those things seemingly unimportant but that brought our ties even closer. My (excruciatingly small) house was your house. Your welcoming point away from Chonan. I will never forget most of my weekends in the midst of those huge skyscrapers because most of the times you were there to share them with me. And soon after it was October. Going down to Kyoungju. Eating noodles somewhere around 2 a.m. Singing happy birthday in a bar where we were the only customers. Sleeping (and losing our minds) in a bus stop. Watching the sunrise in Pulguksa. Climbing Tohamsan. Trying to hitchhike in a place where even the natives don’t do it. Ending up tired and sleepy in yet another bar. Realizing it was a hell of a birthday. And then the last day came. You, me and all of my best friends from an unforgettable year went over to Pukhansan and saw the real Land of the Morning Calm. Since then it’s been mainly e-mail and messenger for us. You got married, I didn’t. You are happy, I’m happy for you. Because friendship can really climb mountains or cross oceans and, hey, someday we will make Portugal and Canada seem a little more closer, right? Take care, R.

“The world is a book and those who do not travel read only a page.”

St. Augustine

quarta-feira, novembro 01, 2006

A Perdida

Ele bateu com a porta, deixando-a só e na escuridão. Era ali o ponto final, ela sabia-o já, apesar de ele negar e dizer para si mesmo que não, era apenas um parentesis, uma forma de recuperar a sua sanidade mental. Ela era mais inteligente que isso, sabia que a partir daquele momento partido no tempo as coisas nunca poderiam regressar àquilo que tinham sido. O eco das palavras dele continuava suspenso no ar da sala. Palavras duras, despejadas com raiva, mas sinceras e certeiras. Por muito que lhe custasse, sabia que ele tinha razão, que por uma vez nos muitos anos que se conheciam era ele quem punha as emoções de lado e tentava puxá-la para o lado racional da questão. Mas para ela nunca poderia haver um lado racional ligado ao vendaval de tristeza que a assolava desde há seis meses àquela parte. Não, não, nunca poderia desligar o seu coração cada vez que pensava naquele trajecto de sofrimento que tinha durado quase dois anos, para depois terminar tão abruptamente como tinha aparecido. Tanto ela como ele tinham lutado muito por aquela vida, muitas lágrimas tinham derramado e muitas mais tinham escondido. Tinham-se apoiado um no outro, o seu amor permaneceu sempre inalterado ao longo de toda aquela provação, mas, reconhecia-o agora, tinha-se lentamente extinguido, não interessava de quem tinha sido a culpa, pura e simplesmente tinha-se apagado. Ele tinha conseguido prosseguir o seu caminho, ela tinha ficado perdida no meio do nada, confusa e sem perceber como é que era possivel continuar a viver, a respirar, a sorrir, a sentir um infímo de felicidade sem aquele que também era parte integrante dela. Por isso ela ficou ali, sozinha na escuridão da sala, agarrada a uma moldura, enquanto o amor da sua vida se afastava para sempre. Já não tinha mais lágrimas para gastar por ele, há muito que os seus olhos se tinham secado, tinha deixado de sentir qualquer espécie de sentimento quando a pessoa, cuja fotografia mantinha nas suas mãos, tinha expirado pela última vez na sua curta estadia neste mundo. Não, continuava a enganar-se desajeitadamente, pois sentia as lágrimas salgadas nos seus lábios, a tristeza já lhe era tão natural que quase parecia dormente ao facto de chorar compulsivamente. Não tinha forças para o agarrar, ele já tinha saído da casa deles, do coração dela. A angústia crescente começava a deixá-la à beira da loucura, tinha que fugir, deixar tudo para trás, desaparecer da vista de toda a gente, sentia-se a mais num mundo que já não tinha qualquer espécie de lógica para ela. Saiu para a rua. Sentiu o ar cortante da manhã que ainda não é manhã porque a estrela que nos aquece ainda não tinha surgido no horizonte.